Seção 8 Resumos (ver abaixo)
pdf-Download pdf-Download
Coordenação:
Rolf Kemmler (Vila Real) / Barbara Schäfer-Prieß (München)
E-mail
Descobrimentos e utopias: A variedade dos países de língua portuguesa
Esta secção dedicada às disciplinas linguísticas da história da língua e da historiografia linguística pretende reunir os investigadores destas disciplinas aparentemente tão vizinhas mas no mesmo momento tão díspares. Fica, no entanto, óbvio que tanto a disciplina plurissecular da história da língua portuguesa (que pode contar como precursores quinhentistas com Fernão de Oliveira ou Duarte Nunes de Leão) como a disciplina relativamente recente da historiografia linguística (que, depois de ter sido iniciada em 1823 somente passou a estabelecer-se no mundo lusófono a partir dos anos 90 do século XX) partilham as perspetivas das utopias e dos descobrimentos.
Na história da língua, desde o início como mero assunto de interesse particular dos tratadistas de quinhentos, são sobretudo as utopias da origem da língua e do étimo de cada palavra que convivem com as possíveis (ou antes prováveis) realidades, as quais, sobretudo com o advento do método histórico-comparativo, foram sendo adicionadas a este imaginário à medida que se fizeram novas descobertas ou novas conjeturas. É, porém, igualmente utópica a suposição que hoje já não possamos trazer algo de novo a esta disciplina. Será, entre outros assuntos, a análise mais cuidadosa e mais propriamente linguística das fontes documentais que nos permitirá formar um juízo sobre conjeturas dos nossos antepassados, documentadas nos manuais dos quais ainda hoje mantemos a utopia de serem tão corretos como fidedignos...
A jovem disciplina da historiografia linguística não precisa de lidar com a utopia de um rico passado em que foram feitas 'todas as investigações', pois depara a cada passo com descobrimentos e inovações, uma vez que mesmo o aumento exponencial dos últimos anos não tenha feito com que sequer uma ínfima parte dos tratados metalinguísticos tenha sido estudada. A este manancial de futuros descobrimentos junta-se então a perspetiva da utopia das intensões que levaram os respetivos autores a elaborar as suas obras. Neste sentido, faziam parte do imaginário do gramaticógrafo e do ortógrafo as utopias da norma e da aplicação das obras no ensino, ou mesmo a grande utopia do ensino do vernáculo num tempo de predominância do latim.
Como se vê, nos conceitos da utopia e dos descobrimentos convivem duas disciplinas vizinhas, dedicadas a aspetos diacrónicos da língua, pelo que propomos um intercâmbio no âmbito desta secção. Para além disso, e considerando que esta questão diz respeito ao aspeto material do tema geral da secção, propomos ainda a seguinte
Subsecção: O papel da documentação manuscrita nos estudos de história da língua e de historiografia linguística
Nesta subsecção pretendemos estudar, por meio de comunicações ou de mesa redonda, a forma como a documentação manuscrita das bibliotecas e dos arquivos lusófonos é e pode ser útil como fonte ou como corpus para os estudos nas disciplinas linguísticas diacrónicas. Entre muitas outras questões, propõe-se as seguintes temáticas para uma discussão nesta subsecção:
• Será que a paleografia como antiga disciplina auxiliar da história nos fornece todas as respostas? Quais serão os traços mais importantes da paleografia para fins linguísticos?
• Quais as normas de transcrição e de publicação de textos manuscritos que deveriam ser aplicadas?
• Quem trabalha nesta área? Será possível criar uma rede de especialistas para casos de dúvidas ou dificuldades de leitura?
Participantes:
Ana Paula Banza (Évora): «A questão dos empréstimos nas Reflexões sobre a Lingua Portuguesa (1768), de Francisco José Freire»
José Barbosa Machado (Vila Real): «Problemas de transcrição no primeiro livro impresso em língua portuguesa (Sacramental, 1488)»
Thiago Carvalho Dias (Potsdam): «O 'gênio da língua' nas gramáticas do português brasileiro?»
Ricardo Cavaliere (Niterói): «Presença da Linguística Alemã na Gramaticografia Brasileira»
Rui Dias Guimarães (Vila Real): «A evolução das propostas da divisão dialetal em Portugal»
Gonçalo Fernandes/Rolf Kemmler (Vila Real): «As origens da Historiografia Linguística em Portugal: os repertórios de Balbi (1822) e Gomes de Moura (1823)»
Xosé Ramón Freixeiro Mato (A Coruña): «As sucesivas descubertas do portugués na Galiza moderna e contemporánea na procura da utopía normalizadora»
Maria Filomena Gonçalves (Évora): «Da mitologia linguística na história e historiografia da língua portuguesa: mais achegas sobre a 'celtomania' em Portugal»
Miguel Gonçalves (Braga): «Um olhar singular: o castelhano visto pelos linguistas portugueses de Quinhentos»
Rolf Kemmler (Vila Real): «Para uma paleografia linguística: aspetos práticos e normativos»
Ana Lúcia Pereira Costa (Vila Real): «Libro dos Príuilegios e Prouisõis das Liberdades da Çidade de Miranda: edição e estudo»
Rogelio Ponce de León (Porto): «Os verbos impessoais na gramaticografia latino-portuguesa (1497-1610)»
Maria Olinda Rodrigues Santana (Vila Real): «Livros de registos manuelinos: programa editorial, estudo histórico e vocabular»
Barbara Schäfer-Prieß (München): «Die portugiesischen und spanischen Parallelübersetzungen in Amaro de Roboredos Porta de linguas von 1623»
Roger Schöntag (Erlangen-Nürnberg): «Die Superstratsprachen auf der Iberischen Halbinsel: Sprachkontakt und Migration»
Resumos
Ana Paula Banza (Évora)
A questão dos empréstimos nas Reflexões sobre a Lingua Portuguesa (1768), de Francisco José Freire
A questão da legitimidade do empréstimo como fonte de mudança lexical é tão antiga como controversa. Com efeito, se é verdade que, na maior parte das línguas, incluindo o Português, o empréstimo tem sido, ao longo da sua história, uma das mais importantes fontes de enriquecimento e de renovação do léxico, não é menos verdade que, desde os primeiros instrumentos de normalização linguística e até à actualidade, sempre se ergueram vozes críticas contra a legitimidade desta forma de mudança lexical.
O séc. XVIII português, herdeiro dos excessos barrocos do século anterior, mas, por outro lado, também dominado pelo neoclassicismo nascente, apresenta, no plano das ideias linguísticas, em geral, e na questão dos empréstimos em particular, uma interessante dualidade de opiniões, que é visível na produção linguística da época.
Neste cenário, as Reflexões (1768), de Francisco José Freire, membro eminente da Arcádia Lusitana e, por isso, naturalmente defensor da restauração da pureza linguística representada pelos « bons autores » do séc. XVI, constituem um interessante testemunho no que respeita à questão do empréstimo.
Com efeito, na quinta Reflexão, « Sobre alguns Vocabulos Francezes, e Italianos, novamente introduzidos na Lingua Portuguesa », Freire apresenta uma das mais interessantes listas de palavras comentadas das Reflexões. Esta lista representa uma das suas reflexões mais originais, precisamente sobre este tema, aceitando a introdução de empréstimos nos casos onde o Português carece de palavras adequadas e económicas, mas condenando os empréstimos inúteis. Assim, Freire coloca-se entre os «indulgentes» e os «escrupulosos» , defendendo que se deve recorrer ao empréstimo:
“[…] quando não podemos exprimir uma cousa, senão por longa, e tediosa circumlocução. Se para nós expressarmos a força do verbo francez Supplantar, nos é preciso usar do rodeio de dizer: usar de força ou artificio para tirar a alguem o cargo, ou fortuna que possue; não será bom que admittamos este verbo, e digamos Supplantar? (…) Porém quando a nossa lingua tem termos proprios, que exprimem o mesmo que os outros novamente introduzidos, em tal caso é com razão reprehensivel a novidade, porque se oppoem áquella puresa de fallar de que em todas as outras Nações se faz especial apreço. Porque havemos de dizer Abandonar se temos Desamparar; Resurce se temos Remedio […] Eis-aqui o como nos parece que devem concordar os dois partidos, ambos excessivos, um porque nada permitte, ainda havendo precisão, outro porque tudo concede, ainda sem haver necessidade”(Freire 1842, I: 63-64)
Na presente comunicação, procuraremos analisar esta questão, que atravessa a história da língua portuguesa e mantém, nos nossos dias, a sua actualidade, à luz da sensata posição de Freire sobre o assunto, por oposição aos seus contemporâneos que, de uma maneira geral, como sublinha, se caracterisavam pelo radicalismo por ou contra a legitimidade do empréstimo como fonte de mudança e de enriquecimento lexical.
José Barbosa Machado (Vila Real)
Problemas de transcrição no primeiro livro impresso em língua portuguesa (Sacramental, 1488)
O Sacramental, obra castelhana redigida entre 1420 e 1423 por Clemente Sánchez de Vercial, teve quatro edições em Portugal, duas no século XV (1) e duas no século XVI. Existe um exemplar na Biblioteca do Rio de Janeiro que se supõe pertencer à edição de 1488 impressa em Chaves, referida no Primeiro Ensaio sobre a História Literária de Portugal (1845: pp. 87 e 320-321) de Francisco Freire de Carvalho e no volume II do Dicionário Bibliográfico Português (1876, vol. II: pp. 82-84) de Inocêncio Francisco da Silva. Se estas notícias estiverem correctas, e não há qualquer razão para suspeitarmos do contrário, o Sacramental da Biblioteca do Rio de Janeiro pode ser considerado um dos exemplares do primeiro livro impresso em língua portuguesa conhecido.
O texto do exemplar da Biblioteca do Rio de Janeiro contém milhares de anomalias gráficas (gralhas, lacunas, acrescentos, saltos de linha e parágrafo, repetições, traduções incorrectas, etc.). Neste nosso trabalho, pretendemos comparar estas anomalias com as que surgem nalgumas das edições incunabulares anteriores em língua castelhana, para podermos chegar a algumas conclusões relativas à tradição textual por um lado e à fixação temporal da impressão do incunábulo por outro.
As anomalias gráficas devem-se a quatro factores diferentes: à pré-existência das mesmas no texto castelhano que serviu de base à tradução portuguesa – e estas são a grande maioria, como veremos mais à frente –, à desatenção do tradutor, ao descuido do impressor no momento em que compunha o livro e às dificuldades de leitura do original. O primeiro livro impresso em língua portuguesa, talvez pelo facto de ser o primeiro, não é pois um exemplo a dar no que diz respeito à fidelidade ao texto original que lhe deu origem e à qualidade gráfica.
(1) Foi recentemente descoberto por Valentina Sul Mendes que o incunábulo RES. 154 A da Biblioteca Nacional de Lisboa, identificado como pertencente à edição de 1539 impresssa em Braga, pertence afinal a uma edição até agora desconhecida e impressa entre 1494 e 1500.
Thiago Carvalho Dias (Potsdam)
O 'gênio da língua' nas gramáticas do português brasileiro?
A denominação “gênio da língua” ou “génie d’une langue”, como assim é mais conhecida e assim surgiu no âmbito linguístico europeu, não existia até meados do século XVII. Contudo, devemos nos expor à pergunta se a noção da existência do gênio da língua já existia antes do aparecimento desta nomenclatura.
Somente no final do século XV começou a existir algum tipo de consciência sobre a questão da diversidade das línguas. Esses tipos de pensamentos provocaram a necessidade de se descrever as diferentes línguas romances que existiam naquela época (Dorixhe 1978). A necessidade de descrição das línguas surgiu sobretudo por causa da coexistência do latim com as línguas romances as quais se desenvolviam – tendo como ponto de partida o latim com as diferentes influências germânicas ou de outros povos – ao longo do tempo. Cada língua começava a apresentar durante esse desenvolvimento linguístico sua particularidade nos âmbitos fonológico e semântico que abriam campo para o surgimento do conceito gênio da língua.
O conceito “gênio da língua” surgiu de forma clara e bem determinada a partir da fundação da Academia da Língua Francesa no ano de 1635. Tal academia tinha entre seus objetivos a análise e o ensino das particularidades do francês. Este conceito foi usado pela primeira vez por um dos fundadores da ‘Académie Française’, Amable Bourzeis, na sua obra “Sur le dessin de L’Académie et sur le différent génie des langues”. Bourzeis afirma que cada língua possui suas particularidades nas suas regras, na sua forma e no seu gosto. Assim sendo, ele aponta a necessidade da existência de uma retórica e de uma estilística correspondentes às leis próprias de uma língua (Bourzeis 1635: 233).
A partir do século XVII e sobretudo no século XVIII já existia a ideia de que o gênio da língua estaria relacionado com o caráter e a forma de pensar de um determinado povo.
Es ist bekandt, daß die Sprache ein Spiegel des Verstandes ist, und dass die Völcker, wenn Sie den Verstand hoch schwingen, auch zugleich die Sprache wohl ausüben, welches der Griechen, Römer du Araber Beyspiele zeigen (Leibniz 1908: 327)
Sabe-se também que a língua é vista como resultado de um processo cognitivo, do processo de pensar. Isso significa também que a língua se reproduz a partir da forma de pensar de cada indivíduo. Isso permite também a existência das características das diversas línguas. Saussure já escrevia em sua teoria “langue” e “parole” sobre a forma de usar a língua pelos diferentes falantes ou grupos sociais. A “langue” está para todo a comunidade linguística e a “parole” está para a criatividade que cada pessoa tem ao usar a língua. Assim sendo, podemos também fazer uma analogia com um outro conceito que alguns teóricos usam no âmbito da ideia do gênio da língua. Este outro conceito se chama “talento”. Tal conceito era defendido por Dominique Bouhours e se relaciona com as características de cada língua.
“Il y a d’autres langues qui represent naïvement tout ce qui se passe dans l’esprit; Et entre celles qui ont ce talent, il me semble que la langue (françoise) tient le premier rang, sans en excepter la Grecque & la Latine. Il n’y a qu’elle à mon gré qui sçache bien peindre d’après nature, & qui exprime les choses precisement comme elles sont“ (Bouhours 1671 : 50)
Na Espanha, o termo gênio da língua (génio de la lengua) é usado em diferentes contextos e também sob um outro ponto de vista se o comparamos com aquele apregoado na França. O conceito gênio da língua discutido em território espanhol envolve não apenas as características próprias da língua espanhola, mas possui também como ponto principal as mudanças linguísticas pelas quais passou este idioma ao longo do tempo. Sobre isso escreveu Ramón Campos:
“El comercio, mezclando las naciones, confundió los idiomas, alteró su genio, y les desfiguró hasta hacer imposible la invención del significado exâcto de las palabras en la derivación, ni en las etimologias” (Campos 1791: 23)
Já em Portugal, encontra-se também o conceito do gênio da língua ligado às características próprias da língua portuguesa. Isso ao ser comparada com o latim. Tratava-se, assim como em Nebrija na Espanha, do fomento do aprendizado e conhecimento da língua latina através da transmissão das regras da língua mãe: a língua portuguesa. Exemplo para tal é a obra Regras da lingua portugueza, espelho da lingua latina de Jerónimo Contador de Argote.
Contém esta Grammatica a analogia, que se encontra entre a língua Portugueza, e a Latina, e hum methodo facil, e claro para pelas regras da primeyra conhecer, e praticar os preceytos da segunda (Argote 1725: II)
No século XVIII existia em Portugal a discussão sobre a necessidade de regras para o português do povo. Estas regras deveriam então fomentar as particularidades do português em comparação com as outras línguas latinas. Essa discussão está bem presente na obra Arte da grammatica da lingua portugueza de António José dos Reis Lobato quem escreveu:
No modo Infinito poem tambem linguagens indicativas, desconhecendo juntamente a excelência do Infinito Portuguez em ser também pessoal, o que se não acha nas Linguas Greca e Latina, na Francesa, Italiana e outras vulgares; porque nestas o verbo Infinito he sempre impessoal, e indeterminado, quando na Portugueza humas vezes he impessoal e outras pessoal, como v.g. o verbo Infinito Amar he impessoal, quando digo: He preceito divino amar a Deos, porque então não determina as pessoas, que devem amar a Deos: porém he pessoal, quando eu disser: He preceito divino amar eu a Deos, amares tu a Deos, amar Pedro a Deos, amarmos nós a Deos, amardes vós a Deos, amarem todos a Deos (Lobato 1770: XXXII)
Já com Saraiva (1937) podemos encontrar uma definição mais concreta para esse conceito. Uma definição que também se aproxima àquela apregoada na França e também na Espanha:
De outro modo pois se deve proceder nesta materia: de outro modo e deve julgar do génio das línguas, que he o que constitue a mais essencial differença que entra ellas há: a saber, pela sua estructura e construcção; pela ordem e ligação com que ellas dispõem os seus vocábulos, a fim de fazerem mais clara e mais enérgica a imagem do pensamento; pelas differentes fórmas grammaticaes, com que modificação os mesmos vocabulos; e pelo emprego e lugar, que lhes dão no discurso, aptificando-os assim para bem desempenharem aquella pintura e expressão. Nisto he que verdadeiramente consiste aquelle pensar proprio de cada huma delles; (...) (Saraiva 1837: 20)
Diante da discussão e das diversas interpretações sobre o gênio da língua na França, na Espanha e em Portugal nos colocamos diante do objetivo do presente trabalho: procurar e analisar o conceito gênio da língua nas gramáticas do português brasileiro. Ao se deparar com a possibilidade de que este conceito não esteja presente nas gramáticas do PB, procurarei encontrar em alguns movimentos literários do Brasil como o Romantismo e o Modernismo alguns traços comparáveis com a ideia do gênio da língua apregoado no espaço europeu.
Ricardo Cavaliere (Niterói)
Presença da Linguística Alemã na Gramaticografia Brasileira
A questão da influência em órbita meta-historiográfica.
Uma das tarefas indispensáveis na pesquisa sobre a construção do pensamento linguístico e sua repercussão em outros campos da atividade intelectual diz respeito à delicada questão da influência doutrinária. Em princípio, a percepção desse fenômeno epistemológico nas obras linguísticas – e, por extensão, nas obras científicas em geral – pode revelar-se em duas dimensões: a da referência expressa, em que o autor do texto cuida de informar ao leitor consulente que lançou mão das ideias residentes em texto de outra autoria, e a influência implícita, que se abstrai da pesquisa sobre a episteme em que se inscreve o texto analisado. Nesse último viés, a percepção da influência resulta de um natural e necessário contato ideológico que permeia todas as pessoas dedicadas à atividade científica em dado período da história da ciência.
Na investigação historiográfica, podem-se levantar indícios de influência doutrinária na própria história da formação intelectual do autor, aí incluídas as orientações e hábitos familiares. Nesse sentido, as fontes epistolares, as anotações particulares e as próprias relações de amizade podem constituir precioso material para se estabelecerem as vinculações ideológicas entre o autor e seus ideólogos, seja no campo restrito da Linguística, seja em mais ampla dimensão. No panorama da Linguística brasileira, por exemplo, tem-se hoje ciência da importância de Said Ali na formação de Evanildo Bechara, fato que se atribui ordinariamente - e equivocadamente - ao contato de Bechara com a obra filológica do emérito germanista fluminense. Na verdade, a presença de Said Ali na edificação do pensamento linguístico em Bechara começa a ganhar contornos decisivos logo no início de uma relação pessoal em que um jovem estudante, ainda saindo da adolescência, mantinha estreito vínculo com o mestre consagrado, dotado de forte personalidade e profundo saber filológico.
No tocante aos indícios de influência doutrinária mais idôneos, cite-se a referência direta de um autor ao trabalho de outrem. Esta é, sem dúvida, a fonte mais fidedigna para se estabelecer um vínculo ideológico entre dois autores, bem como o grau ou intensidade em que se pode aferir semelhante vínculo. No caso dos linguistas brasileiros, a referência direta às fontes bibliográficas não constituía hábito regular até pelo menos as primeiras décadas do século XX, de tal sorte que a tarefa de levantamento dessas fontes torna-se hoje bem mais trabalhosa para o historiógrafo. Por vezes, o nome de um linguista inspirador é citado no corpo do trabalho quando se desenvolve dado conceito, mas nada se diz sobre a obra específica que serviu de inspiração. Nessas situações, a leitura dos prefácios e a atenção redobrada aos comentários em nota de rodapé costumam contribuir bastante para o fiel estabelecimento dos vínculos ideológicos.
Rui Dias Guimarães (Vila Real)
A evolução das propostas da divisão dialetal em Portugal
Na dialetologia em Portugal, é consensual estabelecer duas fases: a pré-científica e a científica. Alguns estudiosos apontam como divisória os estudos de José Leite de Vasconcelos (1858-1941), a Carta Dialectológica do continente português (Vasconcelos 1893) com posteriores desenvolvimentos. Consideram-no o documento introdutório da dialectologia científica em Portugal.
Os estudos pré-científicos na divisão dialetal de Portugal remontam a Fernão de Oliveira (1536) em alusões ainda pouco elaboradas, em que aplica o conceito de 'falas'. Com alusões à variação, seguem-se os estudos de Duarte Nunes de Leão (1606), Manuel de Faria e Sousa (1674) e Rafael Bluteau (1712-1719) que inclui e define o conceito 'dialecto'. Obtém-se uma sistematização dialetal e variacional já elaborada em Jerónimo Contador de Argote (1721, 1725). Outros prosseguem as perspetivas dialetais como Madureira Feijó (1737), Luís de Monte Carmelo (1767) e Aniceto dos Reis Gonçalves Viana (1887-1888).
O nosso estudo incide sobretudo no português europeu. De Leite de Vasconcelos obtiveram-se diversos trabalhos relevantes como Esquisse d´une Dialectologie Portugaise (1901), com sistematizações e mapas. Apresenta-se uma ampla divisão dialetal de Portugal, com posteriores desenvolvimentos. Outra sistematização diferente, também a incluir mapas de divisão dialectal, é a de Manuel Paiva Boléo (1942, 1958). Boléo aplica o conceito 'falares' que parece radicar na variação das 'falas' detetável já em Fernão de Oliveira (1536). Dois conceitos estão em questão. Acaba por se impor o conceito 'dialectos' como elementos de um diassistema (Coseriu 1973).
Lindley Cintra (1971, 1974) adota o conceito 'dialectos', na retoma de Leite de Vasconcelos que por sua vez se inspira em Jerónimo Contador de Argote, conceito provavelmente captado de Bluteau. Em Boletim de Filolgia XXII, apresenta uma «Nova proposta dos dialectos galego-portugueses» (Cintra 1971) aprofundada em Estudos de Dialectologia Portuguesa (Cintra 1984). Esta perspetiva de Cintra para o português europeu, a incluir os dialectos galegos, seria posteriormente substituída, na divisão das variantes galegas, pela proposta de Fernandez Rei, no Mapa dos Dialectos portugueses e galegos, incluído por Manuela de Barros Ferreira no Atlas da Língua Portuguesa na História e no Mundo (1992).
Gonçalo Fernandes/Rolf Kemmler (Vila Real)
As origens da Historiografia Linguística em Portugal: os repertórios de Balbi (1822) e Gomes de Moura (1823)
Numa época em que as letras em geral se encontram em declínio face às ciências naturais, económicas, jurídicas e outras ciências que geralmente costumam julgar-se 'mais úteis' e, por isso, mais merecedoras de atenção, o advento de uma 'nova' disciplina que reúne caraterísticas linguísticas, históricas e culturais deve ser encarado não com apreensão, mas sim com interesse, pois fornece às investigações tanto sincrónicas como diacrónicas outra perspetiva, nomeadamente a noção de como os nossos antepassados encararam e explicaram os factos linguísticos com que se deparavam.
Ao contrário do que se passa com outras disciplinas linguísticas, observa-se que a Historiografia Linguística Portuguesa (como disciplina linguística dedicada a obras metalinguísticas publicadas em Portugal e nas suas colónias), independente mas em certa forma também dependente das outras disciplinas linguísticas, tem pouca memória própria da sua história e dos antecedentes que levaram à institucionalização que se observa hoje em dia.
Ora, se a mera quantidade de publicações de natureza monográfica e os artigos de especialidade fazem com que Maria Leonor Carvalhão Buescu possa ser encarada como a 'mãe' da disciplina da Historiografia Linguística em Portugal, é de notar que não foi a primeira investigadora moderna a dedicar-se a esta área, tendo havido outros autores que anteriormente tentaram relatar a história dos tratados metalinguísticos dedicados ao universo linguístico português e latino-português, de entre eles o grande José Leite de Vasconcelos (1888, 1929).
Podemos constatar, no entanto, que os antecedentes da Historiografia Linguística Portuguesa remontam a tempos bem anteriores aos filólogos do século XX. Por um lado, já se observa alguma preocupação com os antecedentes históricos nos extensos textos introdutórios da gramática latino-portuguesa de Figueiredo (1765) ou das gramáticas portuguesas de Lobato (1770) e mesmo de Soares Barbosa (1822), sendo, porém, de constatar que este tipo de observações introdutórias serviu sobretudo para situar as posições ideológicas gramaticográfico-didáticas dos respetivos autores.
É desde o capítulo «Dictionnaires, grammaires et langues étrangères» que pertence à segunda parte do «Appendix à la géographie littéraire» do segundo volume do Essai statistique sur le royaume de Portugal (1822) do veneziano Adriano Balbi (1782-1848) que observamos uma cada vez maior preocupação com a descrição (se bem que prevalentemente de natureza bibliográfica) de obras metalinguísticas.
De forma muito mais detalhada, é no âmbito do capítulo XXIII da sua obra intitulada Noticia Succinta dos Monumentos da Lingua Latina, e dos subsidios necessarios para o estudo da mesma (Moura 1823: 332-363) que José Vicente Gomes de Moura (1769-1854), então professor de Língua Grega no Real Colégio das Artes da Universidade de Coimbra, narra não somente as origens e a evolução da gramaticografia latina como base da gramaticografia portuguesa, mas também se dedica pormenorizadamente à evolução da tradição gramatical portuguesa, demonstrando inclusive conhecimento íntimo das obras referidas.
Na nossa comunicação pretendemos apresentar os repositórios historiográfico-linguísticos fornecido por Adriano Balbi e José Vicente Gomes de Moura, relevando a sua importância histórica para a historiografia linguística, fornecendo ainda um breve histórico da disciplina como tal, fora e dentro de Portugal.
Referências bibliográficas
Balbi, Adrien (1822) ESSAI STATISTIQUE / SUR / LE ROYAUME DE PORTUGAL / ET D'ALGARVE, / COMPARE AUX AUTRES ETATS DE L'EUROPE, / ET SUIVI / D'UN COUP D'ŒIL SUR L'ETAT ACTUEL DES SCIENCES, DES / LETTRES ET DES BEAUX-ARTS PARMI LES PORTUGAIS DES / DEUX HEMISPHERES. / DEDIE / A SA MAJESTE TRES-FIDELE, / PAR ADRIEN BALBI, / ANCIEN PROFESSEUR DE GHEOGRAPHIE, DE PHYSIQUE ET DE MATHEMATIQUES, / MEMBRE CORRESPONDANT DE L'ATHENEE DE TREVISE, ETC. ETC. / TOME SECOND. // PARIS, / CHEZ REY ET GRAVIER, LIVRAIRES, / QUAI DES AUGUSTINS, Nº 55 / 1822.
B[arbosa], J[erónimo] S[oares] (11822): GRAMMATICA / PHILOSOPHICA / DA / LINGUA PORTUGUEZA, / OU / PRINCIPIOS DA GRAMMATICA GERAL / APPLICADOS Á NOSSA LINGUAGEM. / POR J. S. B. / Deputado da Junta da Directoria Geral dos Estudos, e Es- / colas do Reino em a Universidade de Coimbra // Lisboa: / NA TYPOGRAPHIA DA ACADEMIA DAS SCIENCIAS. / 1822
Buescu, Maria Leonor Carvalhão (11984): Historiografia da Língua Portuguesa: Século XVI, Lisboa: Livraria Sá da Costa Editora (Colecção ”Nova Universidade“; Linguística 11).
[Figueiredo], António Pereira [de] (51765): NOVO / METHODO / DA / GRAMMATICA LATINA; / DIVIDIDO EM DUAS PARTES; / Para o uso dos Mestres das Escolas da Con- / gregração do Oratorio, / SEU AUTHOR / ANTONIO PEREIRA, / Padre da mesma Congregação de Lisboa. / QUINTA IMPRESSÃO. // LISBOA, / Na Officina de Miguel Manescal da Costa, / Impressor do Santo Officio. / Anno M. DCC. LXV. / Com as licenças necessarias, e Privilegio Real.
Gonçalves, Maria Filomena (2006): «Treinta años de Historiografía Lingüística del portugués», em: Villayandre Llamazares, Milka (ed.) (2006): Actas del XXXV Simposio Internacional de la Sociedad Española de Lingüística, León: Universidad de León, Dpto. de Filología Hispánica y Clásica, págs. 732-753, em: http://www3.unileon.es/dp/dfh/SEL/actas/Goncalves.pdf (última consulta: 11 de Maio de 2010).
Leão, Duarte Nunes de (1983): Orthographia e Origem da Língua Portuguesa, Introdução, notas e leitura de Maria Leonor Carvalhão Buescu, Lisboa: Imprensa Nacional-Casa da Moeda (temas portugueses).
Lobato, António José dos Reis (11770): ARTE / DA GRAMMATICA / DA LINGUA / PORTUGUEZA. / COMPOSTA, E OFFERECIDA / AO ILL.MO E EXC.MO SENHOR / SEBASTIÃO JOSÉ / DE CARVALHO E MELLO, / Ministro, e Secretario de Estado da Sua Magestade Fidelissima da / Repartição dos Negocios do Reino, Alcáide Mór da Cidade de / Lamego, e Senhor Donatario das Villas de Oeyras, Pombal, / Carvalho, e Cercosa, e dos Reguengos, e Direitos Reaes da / de Oeyras, e de Apar de Oeyras, Commendador das Com- / mendas de Santa Marinha de Mata de Lobos, e de S. / Miguel das tres Minas na Ordem de Christo, &c. / PELO BACHAREL / ANTONIO JOSE’ DOS REIS / LOBATO. // LISBOA. / Na REGIA OFFICINA TYPOGRAFICA / Anno MDCCLXX. / Com licença da Real Meza Censoria.
Moura, José Vicente Gomes de (1823): NOTICIA SUCCINTA / DOS / MONUMENTOS DA LINGUA LATINA, / E / DOS SUBSIDIOS NECESSARIOS PARA O ESTUDO / DA MESMA: / POR / JOSÉ VICENTE GOMES DE MOURA / Professor de Lingua Grega no R. Collegio das Artes da Universidade. // Coimbra: / NA REAL IMPRENSA DA UNIVERSIDADE / 1823.
Vasconcelos, José Leite de (1929) «A Filologia Portuguesa: Esbôço Histórico (A proposito da reforma do Curso Superior de Letras de Lisboa), 1888». In Vasconcelos, José Leite de (1929) Opúsculos. Volume IV. Filologia (Parte II). Coimbra: Imprensa da Universidade, págs. 837-919.
Xosé Ramón Freixeiro Mato (A Coruña)
As sucesivas descubertas do portugués na Galiza moderna e contemporánea na procura da utopía normalizadora
A finais da Idade Media, como consecuencia da expansión do reino de Castela, a Galiza sufriu un proceso de colonización política e cultural que levou consigo a imposición do castelán como lingua do poder, a se iniciar así un lento proceso de substitución lingüística que aínda continúa na actualidade. O galego perdeu nos primordios da Idade Moderna a súa normalidade social, que aínda non conseguiu recuperar, sendo a día de hoxe unha lingua en perigo que non ten garantido o seu porvir como idioma da Galiza. En troca, a variante lusitana do primitivo sistema lingüístico galego-portugués consolidouse como lingua nacional de Portugal, sen que porén faltasen certas tentativas de implantación do idioma de Castela neste país, e estendeuse polo mundo como consecuencia dos descubrimentos, de modo que hoxe é unha das linguas máis faladas. Este feito converteu o portugués nun elemento referencial de primordial relevancia para unha parte importante do movemento galeguista, que soñou –e aínda soña– coa utopía da restauración da normalidade lingüística na Galiza servíndose do argumento da identidade substancial entre galego e portugués e da proxección internacional deste, con Brasil como reforzado elemento de prestixio na actualidade.
Após revisar, a modo de introdución, algunhas consideracións dos gramáticos quiñentistas portugueses sobre a orixe da lingua e o tratamento que nela lle conceden ao galego, nesta proposta de relatorio estúdase en primeiro lugar a severa crítica do Padre Sarmiento no século XVIII aos postulados de Duarte Nunes de Leão e doutros estudiosos como Bluteau que ignoraron o galego á hora de analizaren a orixe etimolóxica de certas palabras (saudade, mágoa, mixiriqueiro etc.), ben como a polémica entre o Padre Feijóo e Ernesto Frayer a respecto da relación entre galego e portugués; estas dúas grandes personalidades galegas setecentistas representan unha primeira descuberta do portugués, convertido por eles en proba demostrativa da existencia do galego como lingua e non dialecto ou deturpación do español. A seguir, centrarase a atención no século XIX, coa descuberta da literatura medieval galego-portuguesa e a consecuente incorporación á lingua literaria de arcaísmos (parescer, amañescer, cibdá etc.); ao mesmo tempo, refórzase no pensamento galeguista, con Murguía á cabeza, a noción da unidade lingüística galego-portuguesa e como consecuencia vaise producir no galego escrito a recorrencia ao portugués como fonte de acrecentamento lexical ou vía de recuperación de léxico autóctone (nervo, estudo, duvidar, povo etc.). Nunha terceira fase, e após o labor exemplarizante dos homes da Xeración Nós, prodúcese na segunda metade do século XX, da man do profesor Rodrigues Lapa e do movemento reintegracionista organizado, outra redescuberta do portugués, agora proposto directamente como modelo de lingua literaria ou de estándar lingüístico para o galego. Por último, nesta proposta de relatorio inclúese unha liña de pensamento e práctica lingüística que nestes primordios do século XXI preconiza unha aproximación do portugués desde a norma oficial galega pola vía da depuración de españolismos, da potenciación de trazos morfonsintácticos comúns (infinitivo flexionado, futuro de subxuntivo, complemento directo sen preposición etc.) e da incorporación de léxico portugués (ementa, xuri, ferias etc.), sempre coa meta de conseguir a normalización do galego e de garantir o seu futuro.
Maria Filomena Gonçalves (Évora)
Da mitologia linguística na história e historiografia da língua portuguesa: mais achegas sobre a 'celtomania' em Portugal
No âmbito da chamada “mitologia linguística” inclui-se a “celtomania”, que motivou uma discussão entre, por um lado, os escritores e filólogos defensores da origem latina do português, autores que tinham por viseira a teoria e os dados da nova “ciência glotológica”, e, por outro, os arautos de uma suposta origem celta, que assim pretendiam atribuir uma antiguidade pré-romana à língua nacional.
Embora tal proposta não fosse originalmente portuguesa, visto ter-se manifestado primeiro em França, o certo é que em Portugal a “celtomania” conheceu contornos próprios, tendo motivado um significativo número de textos que merece ser revisitado, quer no contexto do estudo da romanidade, vale dizer, da pertença à família românica, e por conseguinte da comprovação do parentesco linguístico, quer numa perspectiva historiográfica, porquanto na discussão foram aduzidos metadados, ademais dos dados linguísticos. Só recentemente o assunto chamou a atenção dos historiógrafos (Gonçalves, 2001; Schäfer-Priess; Sinner, 2009), sendo ainda muitos e variados os aspetos que, em relação a este tópico da História e da Historiografia da Língua Portuguesa, carecem de esclarecimento.
Com estas novas achegas sobre a “questão da celtomania” pretende-se fornecer uma perspectiva abrangente sobre o assunto, que não se restrinja aos textos mais conhecidos nem ao período culminante da polémica (1844), contemplando igualmente os argumentos expendidos até 1905, data da última manifestação da “celtomania”.
Referências bibliográficas
GONÇALVES, Maria Filomena (2001): “A celtomania: um tópico da linguística romântica”. Diana – Revista do Departamento de Linguística e Literaturas, 1-2, 41-58.
SCHÄFER-PRIESS, Barbara (2004): “Zur „Keltomanie“ in Portugal”. Volker Noll und Sylvia Thiele (Herausgegeben von), Sprachkontakte in der Romania. Zum 75. Geburstag von Gustav Ineichen. Tübingen: Max Niemayer Verlag: 259-257.
SINNER, Carsten (2009): “De Duarte Nunes de Leão à polémica sobre a origem da língua portuguesa no século XIX”. Lingüística, 22, diciembre 2009, 81-108.
Miguel Gonçalves (Braga)
Um olhar singular: o castelhano visto pelos linguistas portugueses de Quinhentos
Que visão temos do idioma castelhano reportando-nos à época em que começava a ser também, abusivamente, designado por “español”, e que por isso se situa num passado longínquo, balizado pelo período referenciado por “antes e depois de Quinhentos”?
Na esteira de Vázquez Corredoira (1998), García Jiménez (1992), Martínez González (2002), Gonçalves (200; 2004), Rodríguez (2005), Schäfer-Prieß (2005), Ponce de León (2006), García Martín (2007) e Gonçalves (2009; 2010), propomos um olhar singular, enquanto linguistas, sobre o comportamento dos linguistas portugueses (e em português), mas não exclusivamente, da época, que, a priori, tinham uma visão positiva e até sedutora a julgar pelos duzentos e cinquenta anos (c. de 1450 a c. de 1700) de bilinguismo literário, e, até mais que literário, luso-castelhano.
Focalizaremos o nosso estudo no levantamento de alguns conceitos-chave que indiciam os primeiros exercícios comparativistas luso-castelhanos, na perspetiva da riqueza/pobreza léxica ou do grau de 'corrupção' assim como o "corpus" linguístico-literário estimado como relevante.
No caso do bilinguismo luso-castelhano a que nos reportamos, existiam, então, como se verificam ainda hoje, visões quase polarizadoras do mesmo. Entre os contemporâneos, parece prevalecer uma atitude mais compreensiva e tolerante por parte dos escritores, e em particular dos poetas, e menos complacente por parte dos linguistas.
Apesar de o ângulo de observação ser, sobretudo, português, não descuraremos a voz − e, particularmente, o silêncio − também de alguns linguistas castelhanos.
Rolf Kemmler (Vila Real)
Para uma paleografia linguística: aspetos práticos e normativos
Na nossa comunicação visamos apresentar alguns exemplos em que a paleografia como antiga disciplina auxiliar da história (hoje emancipada) é fundamental para investigações no âmbito da história da língua e de historiografia linguística, relevando possibilidades, dificuldades e limitações. Quais são os traços mais importantes da paleografia para fins linguísticos?
Com base nas propostas provenientes das principais escolas portuguesas iremos ainda discutir a questão de quais as normas de transcrição e de publicação de textos manuscritos deveriam ser aplicadas? Justificar-se-á o estabelecimento de normas de transcrição próprias para fins linguísticos? Quais são as possibilidades de tratamento informático no caso da falta de repertório alfabético das fontes comuns?
Ana Lúcia Pereira Costa (Vila Real)
Libro dos Príuilegios e Prouisõis das Liberdades da Çidade de Miranda: edição e estudo
O Libro dos Príuilegios e Prouisõis das Liberdades da Çidade de Miranda é um códice pertencente ao Arquivo da Câmara Municipal de Miranda do Douro, no qual estão inscritos diplomas outorgados ao município mirandês pela autoridade régia, desde o século XV até ao século XVIII, correspondendo, respectivamente, o primeiro documento ao reinado de D. Afonso V (1448), e o último, aos derradeiros anos do reinado de D. João V (1745), tornando possível o redesenho das teias relacionais estabelecidas entre o poder central e uma região longínqua e raiana, porém, detentora de uma posição estratégica crucial, numa época em que a definição de fronteiras não passava de um artificialismo legal e as relações de propinquidade com as populações do reino vizinho se pautavam por uma acentuada proximidade e, mesmo, familiaridade.
A edição e o consequente estudo deste corpus documental suscitou, desde o início, uma série de questões de âmbito diplomático e paleográfico, na medida em que os estudos portugueses desse domínio centram-se sobretudo em fontes documentais anteriores, medievais, deixando um enorme vazio para épocas ulteriores, pautadas pelas descomunais diversidades caligráficas e tipológicas, que, devido à sua heterogeneidade, carecem de estudos sistemáticos e fiáveis.
Neste texto, abordaremos o programa editorial adotado na investigação, ademais das diversas dificuldades surgidas, decorrentes da míngua de estudos sobre o lapso temporal em questão.
Rogelio Ponce de León (Porto)
Os verbos impessoais na gramaticografia latino-portuguesa (1497-1610)
Na sequência de umas investigações inéditas que fizemos ao longo dos anos sobre os verbos impessoais na gramaticografia do português nos séculos XVI e XVII, a presente comunicação tem como objetivo realizar uma análise sobre os fundamentos gramaticais subjacentes na descrição dos verbos impessoais nas artes gramaticais para o ensino do latim durante o século XVI. Assumem-se, neste sentido, como balizas cronológicas o ano de 1497 (em que é publicado, em Lisboa, o Thesaurus pauperum siue speculum puerorum de Juan de Pastrana com comentários de Pedro Rombo, bem como uma Materiarum editio ex baculo cecorum da autoria do próprio Rombo) e o de 1599 (ano em que vê a luz, em Évora, a recognitio – ao cuidado de António Velez – dos De institutione grammatica libri três – publicados pela primeira vez em Lisboa, em 1572 – de Manuel Álvares). Na análise e na sistematização da descrição linguística que será levada a cabo, tratar-se-á de esclarecer o grau de penetração das doutrinas gramaticais e dos autores não portugueses de maior relevo no panorama gramaticográfico europeu.
Obras gramaticais que serão analisadas no trabalho
Álvares, Manuel (1572): De institutione grammatica libri tres. Lisboa: João de Barreira.
Álvares, Manuel (1599): De institutione grammatica libri tres. Antonii Vellesii […] opera aucti et illustrati. Évora: Manuel de Lyra.
Barros, João de (153.): Grammatices rudimenta.
Cardoso, Jerónimo (1552): Grammaticae introductiones breuiores et lucidiores. Lisboa: João de Barreira.
Cadaval, Álvaro (1565): In librum quartum Antonii Nebrissensis de constructione decem partium orationis lucidissima explanatio. Lisboa: Francisco Correia.
Cavaleiro, Estêvão (1515): Noua grammatices Marie Matris Dei Virginis ars. Lisboa: Valentim Fernandes.
Cleynaerts, Nicolas (1538): Institutiones grammaticae latinae. Braga: [Pedro de la Rocha].
Homem, Fernando Soares (1557): Grammatices duo compendia. Coimbra: João Álvares.
Pastrana, Juan de (1497): Thesaurus pauperum siue speculum puerorum. Lisboa: Valentim Fernandes.
van Pauteren, Johannes (1555): Carmina Ioannis Despauterii de arte grammatica. Coimbra: João Álvares.
Pinhel, Duarte (1543): Latine grammatices compendium. Lisboa: Luís Rodrigues.
Sousa, Máximo de (1535): Institutiones tum lucide, tum compendiose latinarum literarum. [Coimbra: Mosteiro de Santa Cruz].
Resende, André de (1540): De uerborum coniugatione commentarius. Lisboa: Luís Rodrigues.
Rombo, Pedro (1497): Materiarum editio ex báculo cecorum. Lisboa: Valentim Fernandes.
Maria Olinda Rodrigues Santana (Vila Real)
Livros de registos manuelinos: programa editorial, estudo histórico e vocabular
No âmbito de um projeto editorial do Centro de Estudos em Letras (CEL) da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro intitulado: “EDIÇÃO DE FONTES LITERÁRIAS E NÃO LITERÁRIAS DOS SÉCULOS XV A XX”, com uma pequena equipa de doutorandas, propus-me fazer uma dupla edição dos cinco Livros de Registos foraleiros manuelinos, custodiados na Direção-Geral de Arquivos (DGARQ). Escolhi reeditar e estudar numa perspetiva histórico-linguística o referido corpus por se tratar de uma documentação particular, representativa de um período linguístico muito pouco estudado (finais do século XV e inícios do século XVI). Esta documentação foi exarada num período de “franja de separação” (Godinho 1968: 16) entre o final do português arcaico e o começo do português moderno (Maia 1995: 12).
O mencionado projeto assenta em três tarefas:
1) a realização de duas edições: uma em formato conservador (paleográfica) e outra em formato interpretativo (modernizada) destinadas a dois públicos diferentes: a primeira, a especialistas de várias áreas das ciências humanas e sociais, a segunda, a um público mais alargado;
2) a elaboração de uma contextualização histórico-cultural da documentação manuelina,
3) a construção de vocabulários dos cinco Livros de Registo.
Neste texto, daremos conta da evolução do projeto editorial acima citado e do trabalho já realizado.
Bibliografia citada
Maia, Clarinda de Azevedo (1995): “Sociolinguística histórica e periodização linguística: algumas reflexões sobre a distinção entre português arcaico e português moderno”. In Diacrítica revista do Centro de Estudos Humanísticos. Braga: Centro de Estudos Humanísticos, Universidade do Minho. N.º 10: 1-30.
Godinho, Vitorino Magalhães (1968): “A divisão da história de Portugal em períodos”. In Ensaios. Vol. II. Lisboa: Sá da Costa Editora: 15-16.
Santana, Maria Olinda Rodrigues (1998): Liuro dos Foraes Nouos da Comarqua de Trallos Montes: edição, enquadramento histórico e análise estatístico-linguística. Vila Real: Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro, (mm). 4 vols., 1935p.
- (1999): Liuro dos Foraes Nouos da Comarqua de Trallos Montes: introdução, edição diplomática e notas. Mirandela: João Azevedo Editor.
- (2006): Inquirições Manuelinas de Trás-os-Montes: edição interpretativa. [S.l.]: CEL / FCT, Publicações Pena Perfeita.
- (2008): Documentação Dionisina de Trás-os-Montes: breve estudo e edição interpretativa. Lisboa: Edições Colibri / CEL. Colecção Estudos e Ensaios.
Barbara Schäfer-Prieß (München)
Die portugiesischen und spanischen Parallelübersetzungen in Amaro de Roboredos Porta de linguas von 1623
Ein Großteil der heute auffallenden morphosyntaktischen Unterschiede zwischen dem Portugiesischen und dem Spanischen hat sich erst im 16. und 17. Jahrhundert ergeben, als im spanischen System einige weitreichende Innovationen stattfanden, während sich das Portugiesische von der im 16. Jahrhundert etablierten Form nicht mehr wesentlich entfernte. Das ist insofern bemerkenswert, als für diese Zeit, in die auch die Personalunion zwischen Spanien und Portugal fällt, ein besonders intensiver Sprachkontakt angenommen werden kann. In der 1623 veröffentlichten Porta de linguas des Portugiesen Amaro de Roboredo werden nun parallel portugiesische und spanische Übersetzungen für die lateinischen Lernsätze der Ianua Linguarum der Padres de Salamanca gegeben. Sie geben die Möglichkeit zu überprüfen, welche Unterschiede zu diesem relativ frühen Zeitpunkt aus der Sicht eines portugiesischen Autors wahrgenommen wurden.
Roger Schöntag (Erlangen-Nürnberg)
Die Superstratsprachen auf der Iberischen Halbinsel: Sprachkontakt und Migration
Üblicherweise begnügt man sich im Hinblick auf die Romanistik mit der Feststellung eines Superstrateinflusses von Westgoten (Sueben und Vandalen) auf das sich ausdifferenzierende Vulgärlatein. Dies suggeriert einen gleichmäßigen, statischen Sprachkontakt mit geschlossenen Bevölkerungs¬gruppen in mehr oder weniger fest umrissenen Siedlungsgebieten. Bei genauerer Betrachtung wird man dabei jedoch auf verschiedene Probleme stoßen. Diese resultieren u.a. aus einer nicht immer zulässigen Vereinfachung der Forschungsergebnisse von Archäologie, Geschichte und Sprachwissenschaft.
Um die Besiedlungssituation und damit letztlich auch die Sprachkontaktsituation dieser Zeit besser erfassen zu können, ist u.a. nötig die überkommene Begrifflichkeit richtig einzuordnen: So ist beispielsweise ‚Völkerwanderung’ in Bezug auf die vorliegenden Ereignisse nicht als koordinierte Einwanderung von geschlossenen Völkerschaften mißzuverstehen, sondern es ist eher von einem ‚Einsickern’ verschiedener auch rivalisierender Stammesverbände (gentes) auszugehen, die keinesfalls homogen waren, weder ethnisch noch sprachlich, schon allein deshalb nicht, da sie im Laufe ihrer Wanderungsbewegungen durch das Imperium Romanum immer wieder andere, sich ihnen anschließende, ethnisch, sozial und sprachlich heterogene Gruppen inkorporiert haben. Die Pluralität innerhalb der verschiedenen Völker zeigt sich schon durch die verschieden benannten Unterverbände (Westgoten: Terwinger, Vesier; Sueben: Nemeter, Triboker, Vangionen, Quaden; Vandalen: Hasdingen, Silingen). Die Zugehörigkeit wurde deshalb größtenteils nicht durch ethnische (oder sprachliche) Merkmale definiert, sondern durch die Unterwerfung der damit einhergehenden identifikationsstiftenden Prinzipien.
Des Weiteren ist die Art dieser convivencia genauer zu betrachten, und zwar bezüglich der gesellschaftlichen, als auch der regionalen Distribution. Da z.B. die Westgoten wohl nie wesentlich mehr als 6,5 % der Bevölkerung ausmachten, das Connubium-Verbot in der Praxis immer laxer gehandhabt wurde und sie sich auch religiös (Bekehrung vom Arianismus zum Katholizismus) bald assimilierten (am schnellsten der Adel), ist die Periode der Zweisprachigkeit (romanisch-gotisch) um einiges kürzer anzusetzen als beispielsweise im fränkisch dominierten Gallien (falls sie nicht schon vorher latinisiert waren). Dies belegen auch die archäologischen Ausgrabungen, die ab 570 in den westgotischen Reihengräbern keine germanischen Artfakte mehr verzeichnen, was auf eine relativ rasche Akkulturation zurückzuführen ist. Für die äußerst abrupt aufhörende Bestattungsart mit gentil-gotischer Tracht gibt es noch keine befriedigende Erklärung, genausowenig wie für die Beschränkung der Funde auf Kastilien und Septimanien (kein Nachweis in Aquitanien und im Süden der iberischen Halbinsel). Für die Sueben lassen sich außer Münzen überhaupt keine archäologischen Zeugnisse zuordnen.
Was die soziale Distribution angeht, so ist womöglich eine gesellschaftliche Differenzierung in der Besiedlung auszumachen, demzufolge die niederen Schichten der Westgoten sich eher in Kastilien niederließen und der westgotische Adel die südlicheren (urbaneren) Räume präferierte (um Mérida und Cordoba).
Weitere Sprachkontakte sind im Nordosten natürlich weiterhin zwischen Basken und Romanen gegeben, sowie dann auch zwischen Westgoten und Basken und im Nordwesten zwischen Sueben und romanischer Bevölkerung. Sprachlicher Austausch ist ebenfalls zwischen den angrenzenden bzw. dann zusammengehörigen Reiche der Sueben und Westgoten anzunehmen (auch unter der Prämisse einer schon weitgehenden Latinisierung beider Stämme), sowie der Kontakt zu den von Norden zunehmend an Einfluß gewinnenden Franken (Romanisch u. Fränkisch). Nicht unerwähnt sei auch die partielle keltische Wiederbesiedlung der Gallaecia, die zumindest kulturell Spuren hinterließ.
Die sprachlichen Relikte der Vandalen, Alanen oder auch der im Süden partiell fußfassenden Byzantiner (griechisch) sind aufgrund der sehr kurzen Kontaktzeit kaum mehr nachvollziehbar. Nicht zu vergessen sind auch andere ethnische Gruppen, die ohne Reichsbildung auf der iberischen Halbinsel koexistierten (z.B. Juden, Syrer).
Zu betonen sei hier deshalb, daß die Sprachräume sich überlagern, nebeneinander existieren und in verschiedenen Schichten einander ablösen oder weiter bestehen, wobei Sprachraum nicht allein areal zu verstehen ist, sondern auch in seiner soziokulturellen Ausprägung.
In vorliegender Studie soll versucht werden anhand der neuesten Erkenntnisse von Archäologie, Geschichtswissenschaft und verschiedenen Disziplinen der Sprachwissenschaft (Toponomastik, Phonologie, Lexikologie, Etymologie) sowie der eigenen Auswertung verschiedener Quellen ein differenziertes Bild der Völkerwanderungszeit und der damit zusammenhängenden Bevölkerungs- und Siedlungsgeschichte zu zeichnen, die wesentlich von Sprachkontakt und Migration geprägt ist und damit eine dynamische Komponente bei der Herausbildung der romanischen Sprachen darstellt.