Seção 5 Resumos (ver abaixo)
pdf-Download pdf-Download
Coordenação:
Gabriela Fragoso (Lisboa)
E-Mail
Representações da infância em contextos literários lusófonos:
Que espaço para a utopia?
Pretende-se uma abordagem da criança enquanto protagonista de mundos ficcionais no espaço da literatura de expressão portuguesa, tendo em consideração as características psicológicas, sociais e culturais que a enformam.
Sendo que hoje em dia se assiste, em muitos casos, à paradoxal inversão de papéis entre adultos e crianças, com os primeiros a sofrerem um processo de “infantilização” (Neil Postman, The disappearance of Childhood, 1982) numa sociedade de diversão e de apelo ao consumo, enquanto que as segundas estão obrigadas a um rápido amadurecimento no confronto com a crueza de certas realidades que até há poucas décadas eram tabu, afigura-se pertinente abordar o papel que cabe à representação da infância em textos literários mais recentes: espelharão, também eles, esta situação? Haverá neles espaço para a criança enquanto protagonista autónomo que se destaca do universo dos adultos? Existe ainda o modelo da criança trabalhadora e explorada (como em Esteiros, de Soeiro Pereira Gomes, texto dedicado aos “filhos das crianças que nunca foram meninos”) ou o colectivo auto-suficiente de adultos em miniatura (como em Capitães da Areia, de Jorge Amado)? Há espaço para a rebeldia e para o sonho em ambiente escolar (Manhã Submersa, de Vergílio Ferreira) ou familiar (O meu pé de laranja-lima, de José Mauro de Vasconcelos)? Que espaço resta ainda à utopia em textos literários de língua portuguesa que têm a criança como protagonista?
Participantes:
Rosângela Asche de Paula (Paris): «Criança prodígio: a infância em textos e projetos culturais de Mário de Andrade»
Arcângela Maria Neves Carvalho (Coimbra), Keila Vieira de Sousa (Coimbra): «Retratos em preto e branco: a infância em Rachel de Queiroz(1910-2003) e Agustina Bessa-Luis (1922)»
Fernanda Coutinho (Fortaleza): «Da crueldade como rito de passagem: internato, criança e trote»
Friederike von Criegern (Göttingen): «Formen und Funktionen der Kinderperspektive auf historische Ereignisse»
Ana Maria Delgado (Leipzig): «Infância e escrita em dois contos de Irene Lisboa e Raduan Nassar»
Marlen Eckl (Hofheim am Taunus): «Um país chamado infância“– Os mundos fantásticos dos heróis adolescentes nas obras de Moacyr Scliar»
Gabriela Fragoso (Lisboa): «Gaitinhas, Gineto e Cª: o microcosmo infanto-juvenil em Esteiros, de Soeiro Pereira Gomes»
Ana Rosa Gonçalves (Faro): « “Nasceram árvores no meio do mar?”: confluências da infância e da idade adulta em Constantino, Guardador de Vacas e de Sonhos, de Alves Redol»
Volker Jaeckel (Belo Horizonte): «A utopia real: representações de identidade e infância em obras de Jorge Amado»
Vera Moraes (Fortaleza): «A Criança e a mulher velha. Linhas de força na produção do discurso clariciano»
Gilda Nunes Barata (Lisboa): «Cecília Meireles: Dádiva e Inocência. A Utopia do Amor»
Maria da Natividade Pires (Castelo Branco): «"Estas crianças aqui" - infâncias "desabrigadas" em espaços portugueses e brasileiros. A obra de Maria Rosa Colaço e de José Mauro de Vasconcelos"»
Ana Ribeiro (Braga): «Os “dias do fim” de uma infância angolana em Bom dia camaradas, de Ondjaki»
Orquídea Ribeiro (Vila Real): «Da cultura tradicional aos textos contemporâneos – As crianças em contexto literário angolano»
Vlastimil Váně (Praga): «O fim da infância na obra literária de José Luís Peixoto»
Resumos
Rosângela Asche de Paula (Paris)
Criança prodígio: a infância em textos e projetos culturais de Mário de Andrade
A vanguarda modernista brasileira, seja nas artes plásticas ou na literatura, soube valorizar a expressão da criança, não como arte ingênua, mas como arte autêntica, expressão primeira de um indivíduo em plena formação, na visão de Mário de Andrade.
O interesse com que muitos artistas viam a expressão da psicologia infantil, e aqui inclui-se Mário de Andrade, deve-se, em parte, à leitura de Freud. Outras leituras que provavelmente influenciaram o escritor paulista a utilizar a criança como objeto de estudo e personagem foram os textos com os quais Mário de Andrade se deparou nas revistas alemãs Das Kunstblatt e Deutsche Kunst und Dekoration, ambas presentes na biblioteca pessoal do escritor e conservadas no Instituto de Estudos Brasileiros da Universidade de São Paulo.
Nestas revistas, Mário encontrou tanto o que podemos considerar o germe de alguns de seus projetos culturais enquanto Secretário de Cultura de São Paulo, como o germe de alguns escritos, como a série de crônicas publicadas no Diário Nacional “Da criança prodigio”.
A particularidade da criança tratada por Mário de Andrade, enquanto personagem ou objeto de estudo, reside no fato de que a sua visão da criança ultrapassou a esfera literária permitindo-o desenvolver suas teorias e percepções do mundo infantil para a estruturação de projetos culturais e de educação infantil.
Mário de Andrade expressou-se tanto no universo ficcional, quanto no universo crítico e no institucional sobre a criança. A intenção deste traballho é mostrar como a criança é tratada, em termos literários e enquanto indivíduo nos textos de Mário de Andrade.
Arcângela Maria Neves Carvalho (Coimbra), Keila Vieira de Sousa (Coimbra)
Retratos em preto e branco: a infância em Rachel de Queiroz (1910-2003) e Agustina Bessa-Luis (1922)
Para Antoine Compagnon, em Literatura, para quê?(2009), “A literatura deve, portanto, ser lida e estudada porque oferece um meio – alguns dirão até mesmo único – de preservar e transmitir a experiência dos outros, aqueles que estão distantes de nós no espaço e no tempo, ou que diferem de nós por suas condições de vida.” Assim, esta comunicação pretende analisar textos literários dos sistemas brasileiro e português do Século XX, tendo como corpus três crônicas de Rachel de Queiroz (1910-2003) e dois contos infantis de Agustina Bessa-Luís (1922).
Stuart Hall afirma, em A identidade cultural na pós-modernidade (2005), que “a identidade está profundamente envolvida no processo de representação”, pois todo meio de representação (escrita, pintura, desenho, fotografia etc.) deve traduzir seus objeto em dimensões espaciais e temporais, já que através disso as identidades são localizadas e representadas. Ora, se o texto literário enquanto representação nos revela “coisas quais podiam acontecer, possíveis no ponto de vista da verossimilhança ou da necessidade”, como afirma Aristóteles em Poética, então, as crônicas de Rachel de Queiroz (1910-2003), escritora brasileira em que se nota um profundo olhar para as angústias, as desigualdades e os valores que constituem a sociedade, podem nos ajudar a compor um painel da identidade da infância brasileira, dos sonhos e desilusões refletidos através de uma escrita objetiva, transformando-se numa projeção dos desafios a serem vencidos quer por ações públicas quer por individuais.
E, ainda segundo Teresa Colomer (1991), a literatura infantil oferece à criança o acesso ao imaginário humano, presente na literatura, mas também permite conhecer os modelos narrativos próprios da sua cultura e do seu mundo. Ora, os contos de Agustina Bessa Luís, ao apresentarem um regresso ao passado rural, onde a infância e adolescência são vistas como um período iniciático de regresso às origens, possibilitam o acesso da criança a valores culturais e modelos narrativos próprios do mundo rural cada vez mais esbatido e perdido no interior de Portugal.
Portanto, os textos literários de Rachel de Queiroz e Agustina Bessa-Luís, representativos da literatura e da cultura brasileira e portuguesa contemporâneas respectivamente, podem provocar uma reflexão sobre a similitudes e diferenças das imagens de infância nesses dois países de Língua Portuguesa.
Fernanda Coutinho (Fortaleza)
Da crueldade como rito de passagem: internato, criança e trote
Infância e utopia são noções que possuem forte vínculo epistemológico, apontando ambas para uma perspectiva de futuro. Essa relação de pertinência se aguça mais fortemente se a idade infantil é situada no terreno do idílico, tal como a pensaram Rousseau e os românticos alemães. Em contrapartida, sendo a infância um espaço por excelência da aprendizagem, ocorre que, muitas vezes, nesse desvendamento de novas situações, vêm à luz hábitos da vida cultural que denotam a violência de comportamentos sociais, exibidos tanto por adultos, face aos pequenos, como pelas próprias crianças entre si, num processo de endogenia auto-destrutiva. Esta comunicação busca relacionar as noções de infância e utopia, tendo por base o romance Chove sobre minha infância (2000), de Miguel Sanches Neto (Paraná, Brasil - 1965). Nele o escritor recria ficcionalmente o período de sua meninice e traz à discussão os rituais de crueldade relacionados ao trote, dando possibilidade ao leitor de refletir acerca da violência como um dos imperativos para o esvaziamento da utopia na sociedade contemporânea.
Friederike von Criegern (Göttingen)
Formen und Funktionen der Kinderperspektive auf historische Ereignisse
Verstärkt sind in den letzten Jahrzehnten Romane in den Mittelpunkt des Interesses gerückt, die aus kindlicher Perspektive erzählt werden. Die Protagonisten und oftmals Erzähler der betreffenden Werke sind Kinder, obwohl sich diese Romane an erwachsene Leser richten und somit weder den Sparten Kinder- und Jugendbuch noch der sogenannten „Crossover-“ oder „All-Age-Literatur“ zuzurechnen sind. Da die Wahl der kindlichen Protagonisten häufig in Zusammenhang mit einer zeitgeschichtlichen Kontextualisierung steht, wird die Kinderperspektive in der literaturwissenschaftlichen Forschung als neuere Strategie identifiziert, über historische Ereignisse zu schreiben: Vielfach handelt es sich um Romane, die aus Kindersicht – entweder mit einer autodiegetischen Erzählinstanz oder bei heterodiegetischer Anlage intern fokalisiert – aktuelle gesellschaftliche Themen oder historische Ereignisse behandeln. Die entsprechenden Romane referieren dabei sowohl auf zum Publikationszeitpunkt bereits zeitlich fernere Themen wie beispielsweise den Holocaust als auch auf den jeweiligen Nationalliteraturen eigenes und zeitgeschichtlich näheres Geschehen wie Militärdiktaturen und kriegerische Auseinandersetzungen oder auf punktuelle Ereignisse wie den 11. September 2001.
Ausgehend von dem augenfälligen Zusammenhang zwischen den beiden Parametern „kindlicher Fokus“ und „historisches Thema“ soll ein Korpus von lusophonen Romanen aus Portugal, Angola und Brasilien untersucht werden, die in der zweiten Hälfte des 20. Jahrhundert entstanden sind. Historisch relevante Ereignisse, die in diesen Werken länderspezifisch entsprechend in den Blick genommen werden, sind beispielsweise die Nelkenrevolution, die Militärdiktaturen und die Guerras do Ultramar, aber auch postdiktatoriale Phasen oder die Zeit des nationbuilding. In der Analyse sollen zunächst die Formen der literarischen Gestaltung der Kinderperspektive herausgearbeitet werden. Zu fragen ist sodann nach den Gründen für den Zusammenhang zwischen den beiden oben genannten Aspekten sowie, damit zusammenhängend, nach den inner- wie außerliterarischen Funktionen einer solch spezifischen Perspektive auf den historischen Kontext.
Ana Maria Delgado (Leipzig)
Infância e escrita em dois contos de Irene Lisboa e Raduan Nassar
Proponho-me comparar o conto de Irene Lisboa “As aventuras de Rosalina” (Uma mão cheia de nada outra de coisa nenhuma, 1955) com o conto de Raduan Nassar “Menina a caminho” (Menina a caminho, 1961). A contextualização na obra respectiva dos dois autores lusófonos permitirá clarificar a problemática da passagem da infância para a adolescência em “As aventuras de Rosalina” relacionando o conto com os romances autobiográficos de Irene Lisboa Começa uma vida e Voltar atrás para quê, bem como o valor inaugural de “Menina a caminho” na obra de Raduan Nassar, como primeiro texto escrito pelo autor (só publicado em 1994). Questionaremos ainda os dois contos no contexto da literatura infanto-juvenil da tradição europeia, reflectindo sobre elementos do género eventualmente desenvolvidos em variação nos dois contos.
Marlen Eckl (Hofheim am Taunus)
„Um país chamado infância“– Os mundos fantásticos dos heróis adolescentes nas obras de Moacyr Scliar
Als Sohn jüdischer Emigranten in Brasilien nahm Moacyr Scliar schon als Kind die Unterschiede wahr, die zwischen der ersten und zweiten Generation der Auswanderer hinsichtlich des Verhältnisses zur Gesellschaft des Aufnahmelands bestanden. Während die erste Generation Einwanderer waren und blieben, gestaltete sich die Situation für ihre Kinder komplexer. Denn sie fühlten sich oftmals zwischen zwei Welten zerrissen. Einerseits gelang ihnen im Gegensatz zu ihren Eltern die Integration in die brasilianische Gesellschaft leichter, so dass ihre Verbundenheit mit dem neuen Zuhause stetig wuchs. Andererseits vermochten sie sich nicht vollständig von ihren kulturellen und religiösen Wurzeln und den Verpflichtungen, die sie gegenüber den von ihren Eltern vermittelnden Werten der alten Heimaten zu besitzen vermeinten, loszusagen.
Vor allem in seinen frühen, stark autobiographisch geprägten Werken A guerra no Bom Fim (1972), O exército de um homen só (1973), Os deuses de Raquel (1975) oder Os voluntários (1979) brachte Scliar den inneren Zwiespalt, in dem die zweite Generation lebte und der sie von ihren Eltern distanzierte, mittels einer Phantasie- und Traumwelt zum Ausdruck. Als Angehörige der erwähnten zweiten Generation flüchten sich seine jugendlichen Helden in eine Parallelwelt. Darin gibt es zwar auch Erwachsene, aber da diese Welt ein Produkt ihrer Imagination ist, stellt sich hier die Realität anders als im wahren Leben dar. Die Zuflucht in die Phantasiewelt ist die Antwort der Jugendlichen auf einen Alltag, der sie in gewissen Teilen überfordert oder der ihren Wünschen und Träumen keinen Raum lässt. Hier können sie ihre Ängste ausleben, sich auf die Prüfungen des Alltags vorbereiten, Träume realisieren und sogar Utopien verwirklichen, deren Scheitern sich bereits im wahren Leben abzeichnen sollte. Die damit einhergehende Stärkung des Selbstbewusstseins versetzt die jugendlichen Helden in manchen Fällen in die Lage, stellvertretend für die Eltern wichtige Konflikte mit der nichtjüdischen brasilianischen Umwelt erfolgreich auszutragen. Nachdem sie sich zunächst einmal bewusst von ihren jüdischen Wurzeln und ihren Eltern abgewandt haben, weil sie glaubten, dass sie nur auf diese Weise vollständige Akzeptanz in der brasilianischen Gesellschaft finden würden, gelingt es den meisten von ihnen dank der Phantasiewelt die beiden scheinbar nicht zu vereinbarenden Welten, die des Judentums und die der brasilianischen Realität, miteinander in Einklang zu bringen.
Doch die Phantasiewelt spielte für Scliar nicht nur bei der Suche der Protagonisten nach der eigenen Identität eine bedeutende Rolle. Für einen Autor, der unter dem Militärregime in Brasilien (1964-1985) schrieb, sich auch von Zensur oder der Gefährdung seines Lebens bedroht sah, stellte der Rückgriff auf phantastische Elemente eine wichtige Möglichkeit dar, Kritik an den politischen Vorgängen und Verhältnissen im Land zu üben, ohne dabei selbst in Gefahr zu geraten.
Ziel des Vortrags ist die Suche der jugendlichen Protagonisten nach der eigenen Identität und ihren Versuch, das jüdische Erbe mit der brasilianischen Tradition in Einklang zu bringen – unter anderem mittels eines Rückzuges in eine Phantasiewelt in der Kindheit und Jugend –, aufzuzeigen. Dies soll auch einen Einblick in das im deutschsprachigen Raum nahezu unbekannte Frühwerk des Autors ermöglichen, der zu den wichtigsten zeitgenössischen jüdischen Autoren zählt und der dieses Frühjahr überraschend verstorben ist.
Gabriela Fragoso (Lisboa)
Gaitinhas, Gineto e Cª: o microcosmo infanto-juvenil em Esteiros, de Soeiro Pereira Gomes
No seu pessimismo determinista, a obra trai um parentesco claro com a corrente naturalista, encontrando-se os seus protagonistas física, psíquica e socialmente condicionados pela hereditariedade e pelo meio envolvente. Conquanto a crueza dos problemas sociais relacionados com a pobreza e a exploração da mão de obra infantil constituam o fio condutor dos vários quadros narrativos, as crianças de Esteiros encontram refúgio em mundos alternativos, reais ou imaginários, que as compensam das agruras do quotidiano e reforçam entre elas laços de solidariedade. A solidariedade de um colectivo infantil contra a intolerância opressora dos adultos.
Ana Rosa Gonçalves (Faro)
“Nasceram árvores no meio do mar?”: confluências da infância e da idade adulta em Constantino, Guardador de Vacas e de Sonhos, de Alves Redol
Num contexto sociocultural em que os indicadores económicos de crise deixam marcas profundas no quotidiano das crianças, afigura-se-nos relevante retomar a escrita de Alves Redol, enquanto forma de (re)prespectivar a capacidade de agir, a eficácia dos sonhos, no tempo da infância, em fusão com a carência e o sofrimento. Para tal, proceder-se-á à análise de Constantino, Guardador de Vacas e de Sonhos, onde o cumprimento da ordem social vigente, por parte da criança protagonista, não impede a afirmação da autonomia individual, nem de uma outra auto-percepção mais ampla do real dentro do espaço ficcional. Assim, procurar-se-á demonstrar como da ambivalência construtiva entre as expectativas da criança e a realidade circundante, manifestamente redutora, emergem vivências infantis que projectam a idade adulta, antecipando-a. Procurar-se-á, igualmente, evidenciar através da personagem de Constantino como a construção do ponto de vista da criança relativiza todos os obstáculos e condicionalismos que se lhe impõem. Só a superação de ambos torna significativo o guardador de vacas e de sonhos.
Volker Jaeckel (Belo Horizonte)
A utopia real: representações de identidade e infância em obras de Jorge Amado
A representação de identidade e de tradições populares da Bahia com base na mestiçagem é considerada a matéria prima dos romances de Jorge Amado. Existe um perigo de confundir a representação que o autor constrói da Bahia e de seus jovens com a realidade, devido à impressão de autenticidade, já que ele passou a sua juventude no meio das personagens que circulam pelos seus livros. Em vários livros de Jorge Amado a vida das crianças e dos jovens possui um papel fundamental, uma vez que eles protagonizam essas histórias ao mesmo tempo instigantes e chocantes.
Neste trabalho serão enfocados aspectos recorrentes da infância como a malandragem, a situação de meninos de rua, a mendicância para sobreviver, o abandono da criança, o trabalho infantil, a sexualidade e o abuso sexual, a criminalidade e a violência cometidas ou sofridas pelos jovens, principalmente nos seguintes livros: Jubiabá, Capitães da Areia, Menino Grapiúna. Com estes romances o tema da infância perdida entra no cânone da literatura brasileira encontrando a sua continuação e atualização em romances como Cidade de Deus de Paulo Lins.
Vera Moraes (Fortaleza)
A Criança e a mulher velha. Linhas de força na produção do discurso clariciano
Um dia desses estava sentada no banco e Alfredo, um menino amigo dela, convidou-a: “Regina, vamos brincar?” não respondeu. O menino repetiu o convite. Então ela, com a voz débil de quem ainda não falou com ninguém naquele dia, resmungou qualquer coisa bem baixinho. Alfredo virou-se para a mãe, que estava perto, e disse desolado: “Mamãe, Regina hoje está com as pilhas fracas!" (CL)
A doçura dessa crônica aponta para a condição solitária e carente da velha de reflexos lentos, que, vez por outra, sente-se amargurada por lembranças de outras fases da vida, por retratos de uma família hoje ausente, e, no entanto, ainda se preocupa com o bem-estar do outro, especialmente no que diz respeito às expressões de alegria e de amor visualizadas na face de uma criança. Isso nos faz lembrar pensamentos do filósofo-poeta Bachelard (1988), quando afirmava que todos nós conservamos um “estado permanente de infância”, não importa a fase de vida que estamos cumprindo.
Palavras-chave: Mulher velha. Criança. Relações de afeto. Solidão.
Gilda Nunes Barata (Lisboa)
Cecília Meireles: Dádiva e Inocência. A Utopia do Amor
Tomando como objecto de tratamento três textos curtos (“O meu pomar”, “Jardins” e “Desejo”), da autoria da escritora brasileira Cecília Meireles, incluídos na obra Criança, Meu Amor, que reúne um conjunto de textos poéticos em torno da missão apostolar desta professora e poeta, e tendo em consideração a dimensão psicológica da criança edificada na autenticidade, ao longo da obra desta autora, como ser destinado ao respeito e doação, sublinhar-se-á a verdade do sonho por contraposição a uma consciência literária de apelo ao consumo e egoísmo modernos.
Na linha destes três textos, que não calcinam a liberdade do existir infantil, afigurar-se-á urgente abordar a criança através de um espaço de verdade que poderá devolver ao texto literário recente, que tem a criança como protagonista, a experiência de um encontro singelo da criança com a Vida, com uma árvore, com um raio de sol, não recusando nunca o ensinamento simples de sempre desvendar a beleza oculta do mundo através da realidade espelhar – transparência do outro.
Maria da Natividade Pires (Castelo Branco)
Estas crianças aqui - infâncias "desabrigadas" em espaços portugueses e brasileiros. A obra de Maria Rosa Colaço e de José Mauro de Vasconcelos"
A principal finalidade desta comunicação é mostrar como a literatura infantil e juvenil pode promover/estimular o desenvolvimento das competências sociais e morais nas crianças e jovens, acreditando (ou partindo do pressuposto) que os comportamentos pró-sociais ou altruístas são imprescindíveis numa sociedade que se pretende mais justa e solidária.
A educação para a cidadania deve ter como principal objectivo o desenvolvimento pessoal, social e moral das crianças e jovens, ou seja, a construção de um modo responsável de estar, pensar, conviver, agir e expressar.
No entanto, os diversos contextos sociais onde muitas crianças circulam nem sempre são os adequados para essa educação para a cidadania e é importante que a representação literária da infância não se apresente excessivamente romantizada. Maria Rosa Colaço e José Mauro de Vasconcelos, cada um escrevendo do seu lado do Atlântico (Portugal - Brasil) são escritores que não escamoteiam realidades duras e passíveis de desencadear exactamente o oposto do preconizado tanto por uma perspectiva didáctica como lúdica e estética da literatura. Veremos como cada um destes autores, em diferentes contextos, demonstra como as relações interpessoais constituem importantes oportunidades para aprender a mostrar interesse pelos outros, compartilhando com eles experiências, sentimentos e atitudes. Por isso, carência de bens materiais ou até de afecto não impede os seus protagonistas crianças de encontrarem um espaço para a utopia, porque, como escreve Maria Rosa Colaço, “Eles podem ser o/ Ódio. /Ensinemo-los a ser o/ Amor”.
Ana Ribeiro (Braga)
Os “dias do fim” de uma infância angolana em Bom dia camaradas, de Ondjaki
Na sua ficção, Ondjaki visita frequentemente o território da infância. Bom dia camaradas (2003), o seu primeiro romance, é o marco inicial de uma viagem de inspiração autobiográfica em torno de uma infância passada em Luanda, no período da guerra civil. As estórias de Os da minha rua (2007) e o enredo de AvóDezanove e o segredo do soviético (2008) desenvolvem-se dentro destas mesmas coordenadas gerais.
No trabalho que pretendemos apresentar, tomaremos Bom dia camaradas como um Bildunsgsroman no qual, para além dos contextos histórico e geográfico, abordaremos o papel da família, da escola e do grupo de amigos na configuração de uma infância feliz cujo final é adivinhado pelo sensível narrador-protagonista.
Orquídea Ribeiro (Vila Real)
Da cultura tradicional aos textos contemporâneos – As crianças em contexto literário angolano
Autores angolanos como Luandino Vieira, Uanhenga Xitu, Boaventura Cardoso e Manuel Rui enveredaram pelo caminho da resistência e preservação da cultura através da escrita, impulsionando um movimento de recuperação da tradição cultural. Nas suas obras, as crianças são obrigadas a um amadurecimento rápido, confrontando-se com a dureza da realidade quotidiana, descobrindo um mundo em que não podem ser simplesmente crianças, mas que ainda permite a rebeldia, a imaginação e o sonho. Em Quem me Dera Ser Onda de Manuel Rui Monteiro, as crianças (sobre)vivem e constroem um imaginário na Luanda do pós-independência, assimilando os valores e os “esquemas” dos adultos, adaptando-se à nova realidade em que ser criança (imaginar, sonhar e brincar) também obedece às novas regras do período pós-independência; em “O Último Quinzar do Makulusu” de Luandino Vieira, os miúdos protagonizam a estória do quinzar na realidade do musseque; em As Aventuras de Ngunga, Pepetela partilha as aventuras de Ngunga no contexto da guerra civil promovida pelos autóctones angolanos contra os colonialistas portugueses.
Incorporar a tradição oral na escrita, os contos e lendas tradicionais, as narrativas de animais, recriando o contexto de carácter pedagógico e moral da tradição cultural angolana, contada à volta da fogueira nas zonais rurais ou nas soleiras das portas das casas pobres nas zonas urbanas. Esta tradição cultural angolana também é resgatada por autores como Gabriela Antunes, Cremilda Lima, Dário de Melo, Luandino Vieira e Ondjaki que escrevem para um público mais jovem, numa tentativa de recuperar o universo da oralidade com toda a sua magia, um mundo em que a astúcia dos animais é premiada, em que a sagacidade da lebre é capaz de vencer a força bruta do leão …
Vlastimil Váně (Praga)
O fim da infância na obra literária de José Luís Peixoto
O tema da infância está presente também na obra dum escritor português muito contemporâneo, José Luís Peixoto, nascido em 1974, principalmente na sua primeira colectânea de poemas, intitulada A Criança em Ruínas (2001), cuja primeira parte tem muito parentesco com o seu livro – confissão e de ficção ao mesmo tempo, Morreste-me (2000). Nos dois livros, a infância tem o significado tradicional: tempo harmónico de alegrias e inocências. A singularidade destas obras consiste no modo como se exprime a dificílima transição entre uma criança e um adulto provocada, antes de mais, pela perda das certezas, consideradas até então infalíveis e personificadas na figura do pai.