Seção 11                                                                     Resumos (ver abaixo)
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Coordenação grupo A:
Susana Kampff Lages / Monica Savedra / Johannes Kretschmer (Rio de Janeiro)
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Vias, viagens: A tradução como reescrita utópica no espaço da lusofonia

A proposta de nossa seção parte da constatação de uma condição inerente à atividade de artistas e escritores na contemporaneidade: a consciência pós-babélica, que, em sua afirmação de uma diversidade radical, torna-os tributários do processo de tradução, que se constitui enquanto reapropriação do passado e instauração de um espaço aberto a um futuro a se construir. Como reescrita do passado, a tradução implica o engendramento de uma utopia a ser sempre novamente reatualizada. Esse inacabamento fundamental de toda tradução adquire contornos singulares nas diferentes práticas de reescrita artístico-cultural: tanto na tradução verbal quanto nas traduções intersemióticas, nas diferentes formas de tradução cultural e naqueles textos literários que descrevem ou esboçam deslocamentos espaciais ou temporais enquanto viagem, exílio, memória. Esse processo se dá de modo singular no universo da lusofonia, graças a sua simultânea comunidade e diversidade histórica e cultural, que promovem a diversidade lingüística, fruto da pluralidade lingüística lusófona.

Tendo em vista o caráter central da tradução no universo cultural da contemporaneidade, a seção se abre a contribuições provindas de diferentes campos: da teoria da tradução aos estudos literários e culturais, passando pelos estudos lingüísticos contrastivos - desde que focalizem a questão central da tradução como espaço de uma reescrita utópica, reatualizadora da tradição, e que se liguem a uma visão contemporânea da tradução no espaço lusófono.

E serão aceitos trabalhos que tratem dos estudos contrastivos em língua alemã (LA) e língua portuguesa (LP), na variedade do português brasileiro (LPB), a partir da interação gramática- cultura (Kulturkontrastive Grammatik), como proposto por Götze, Müller-Liu e Traoré (2009). A noção de uma gramática constrativa cultural é introduzida pelos autores como um referencial teórico e metodológico para análise de línguas em contraste não somente pela forma linguística, mas também pelas raízes culturais, tradições e normas, determinadas pelo Weltanschauung de uma respectiva comunidade linguística.

Participantes:

Maria Aparecida Barbosa (Florianópolis): «Kurt Schwitters: a utopia da arte sustentável»

Luiz Barros Montez (Rio de Janeiro): «Utopias em questão. Contingências e necessidades discursivas em relatos de viagens de alemães no Rio de Janeiro oitocentista»

Ulrich Johannes Beil (Zürich): «Mediale Auren. Fotografische Übertragungen bei Walter Benjamin, Thomas Struth und Carlos Goldgrub»

Isabel Florêncio Pape (Belo Horizonte): «A utopia da tradução em Austerlitz : uma obra entre três linguagens»

Mônica Guimarães Savedra (Rio de Janeiro): « Gramática e cultura contrastiva em língua portuguesa e língua alemã: questões de tradução e ensino»

Werner Heidermann (Florianópolis): «“Ich möchert schon einmal nach Wien!” – Mief und Muff in Franz Xaver Kroetz’ Oberösterreich (1972) und der brasilianischen Übersetzung von 1979»

Paulo Henriques Britto (Rio de Janeiro): «Contraponto rítmico e semantização da forma num poema de Fernando Pessoa»

Susana Kampff Lages (Rio de Janeiro): «Descaminhos da leitura como escrita e  tradução: Uma leitura de “O recado do morro”, de João Guimarães Rosa»

Rosana Kohl Bines (Rio de Janeiro): «Traduzindo as meninas de Balthus»

Luis S. Krausz (São Paulo): «Traduzir Elfriede Jelinek»

Johannes Kretschmer/Denise Edna Dutra de Souza Pinto (Rio de Janeiro): « O discurso liminar em Wilhelm Raabe e Heinrich Mann»

Andrea Lombardi (Rio de Janeiro): «Haroldo de Campos e a interpretação luciferina»

Mauricio Mendonça Cardozo (Curitiba): «Tradução como prática e crítica da razão relacional»

Joachim Michael (Hamburg): «Fernando Pessoa e a heteronímia plurilíngüe»

Heike Muranyi (Belo Horizonte): «Über(-)setzen als (Über)Lebensstrategie. Die brasilianischen Erfahrungen von Stefan Zweig und Paulo Rónai»

Maria Aparecida Salgueiro (Rio de Janeiro): «Traduzindo culturas: descobrimentos, utopias e diversidade em textos em língua portuguesa do Brasil»

Sabrina Sedlmayer (Belo Horizonte):  «Além Atlântico: a prática tradutória de Herberto Helder»

Márcio Seligmann-Silva (Campinas): «Vilém Flusser: entre a tradução como criação de si e a pós-tradução» 

Luciana Villas Bôas (Rio de Janeiro): «Línguas do Reino: Política e Retórica do Atlântico Português»



Resumos


Maria Aparecida Barbosa (Florianópolis)

Kurt Schwitters: a utopia da arte sustentável

Schwitters fazendo apologia do pop nos idos 20 do século 20? Um publicitário da Pelikan que emprega trecho de anúncio publicitário do KOMMERZBANK, a partícula MERZ, para nomear seu universo artístico que inclui a si mesmo?
Schwitters introduzindo a noção de arte sustentável, na medida que lança mão de material reaproveitável? Um artista que recorre ao bric-à-brac, a depósitos de entulhos e montes de material que ele recicla, e com os quais constitui imagens do material disponível como bilhetes de bonde, fichas de vestiário, pedaços de madeira, arame, cordões, rodas tortas, papel de seda, latas de conserva, cacos de vidro e outros, e os insere na imagem modificando-os ou não, conforme ela o exija?
Sistemática semelhante ele emprega em sua composição poética, o que se pressupõe de certa passagem do manifesto o significado do pensamento Merz no mundo: "material para a poesia são letra, sílaba, palavra, frase, parágrafo. Palavras e frases não são na poesia, senão partes. A relação que mantêm entre si não é aquela comum à linguagem coloquial que, claro, tem outro objetivo: expressar algo. Na poesia as palavras são retiradas de seu contexto, desfiguradas e inseridas num contexto novo, artístico, elas se tornam parte da forma poética, nada mais."
A partir dessas observações preliminares, que introduzem um projeto mais amplo de estudo e tradução de manifestos, "contos maravilhosos" e poemas do eclético artista de Hannover, expresso nesta comunicação minha leitura de tradutora de um Schwitters que concebe avant-la-léttre uma utopia ecológica de ideal sustentável na arte.
Além disso, sua predileção por materiais descartáveis demonstra sua afinidade com práticas artísticas ora consagradas através de coleções, miscelâneas, respectivamente levadas a cabo por artistas brasileiros como Bispo do Rosário e em época mais recente por Vik Muniz.

 

Ulrich Johannes Beil (Zürich)

Mediale Auren. Fotografische Übertragungen bei Walter Benjamin, Thomas Struth und Carlos Goldgrub

Eine Übertragung wird schon bei Benjamin vorgenommen, wenn er in der Kleinen Geschichte der Photographie (1930) eine naturhafte Aura-Definition vorsichtig in den medialen Kontext überträgt und so ein Verhältnis von früher und später, auratischer und postauratischer Photographie herstellt. Bei dem deutschen Photographen Thomas Struth trifft man auf eine zeitliche Übertragung: Berühmte Ölgemälde wie Dürers Selbstporträt oder Velasquez' Las Meninas werden in heutigem musealem Kontext gezeigt, mit Menschen, die vor den Bildern stehen, mit besonderen Schatten und Perspektiven, die gerade das Moment der Aura – das Benjamin der modernen Fotografie absprach – durch ein Relations-, Distanz- und Rahmungsgefüge wiederherzustellen versuchen. Von daher könnte man sagen, dass Benjamins Aura von ihrer Verankerung in der frühen Fotografie gelöst und mit den Mitteln neuester Fotografie re-inszeniert – und damit an anderem Ort wiederhergestellt – wird. Während Struth gezielt mit Bild-Auren, Fragen der Rezeption und der Perspektivierung spielt, scheint Goldgrub gerade den Weg der Entauratisierung zu beschreiten, eine Position, die bei Benjamin Eugène Adget einnimmt – der Photograph mit den menschenleeren Stadtszenen, den 'Tatort'-Aufnahmen. Doch so, wie uns heute Adget 'auratisch' erscheint, so gewinnen auch Goldgrubs Photographien gleichsam gegen den Strich eine auratische Dimension – durch den Kontrast von Körperideal und schematischer, anonymer, gelegentlich schäbiger Megacityumwelt (São Paulo), durch die Momente von Melancholie und Einsamkeit, die das Abgehobene/Erhabene der Werbeaufnahmen umgibt. Von daher scheint er gegen Benjamins Aura anzuphotographieren, seinen Text in einen Gegenentwurf zu übertragen – und trotzdem oder gerade deswegen wieder Aura zu erzeugen (Hier würde ich mich auch stark auf Marcio Seligmann-Silvas Aufsatz zu Goldgrub in dem Band Urbane Beobachtungen beziehen).




Rosana Kohl Bines (Rio de Janeiro)

Traduzindo as meninas de Balthus

Por que se prestar a escrever algo irredutível a outra forma de expressão? A pergunta aparece quase ao final de um conto notável do escritor brasileiro Sergio Sant´Anna, que descreve nos pormenores uma sequência de telas do pintor franco-polonês Balthasar Balthus, em que figuram meninas-mulheres em poses ambíguas, entre inocência e lascívia. A presente comunicação irá investigar processos tradutórios entre pintura e literatura, a partir do topos da infância como zona liminar, operadora de passagens entre silêncio e linguagem; inconsciência e consciência; recato e malícia.




Luciana Villas Bôas (Rio de Janeiro)

Línguas do Reino: Política e Retórica do Atlântico Português

Posicionada no limiar do corpo, dentro e fora dos seus limites, a língua humana tem um lugar especial no discurso anatômico dos séculos XVI e XVII. Sobretudo a sua mobilidade, capaz de transpor até mesmo as barreiras naturais impostas pelos lábios e dentes, faz com que a língua seja concebida como o órgão mais insubordinável do corpo humano. O poder da língua enseja fantasias de controle e sujeição, que aparecem nas diversas representações anatômicas do órgão de cunho religioso, moral e político.  A ambivalência constitutiva da natureza da língua aparece de forma sintomática no português quinhentista: seguindo a antiga tradição retórica do corpo como metáfora para o Estado, os intérpretes no além-mar passam a ser chamados de línguas do reino.  Este trabalho mostra como a imaginação anatômica do órgão língua abrange o vocabulário político da expansão européia. O famoso emblema de Andrea Alciato no qual a língua de Hércules aparece como uma corrente que rende os gauleses e, a um só tempo contrasta e equipara força e eloquência, será nosso ponto de partida. Ao descrever os paralelos entre esta mis-en-scènce da função política da língua de Hércules e a figura dos línguas nos relatos do Brasil colonial esperamos refletir não apenas sobre o poder da língua, mas também sobre a língua do poder.




Paulo Henriques Britto (Rio de Janeiro)

Contraponto rítmico e semantização da forma num poema de Fernando Pessoa

Num trabalho anterior (Britto 2009), propus que no caso de alguns poemas a análise da estrutura rítmica deve ser feita em ao menos dois níveis distintos, para dar conta do fenômeno que denominei de contraponto rítmico — o jogo de aproximação e oposição entre dois padrões métricos ideais (na “estrutura profunda”, por assim dizer) por trás do ritmo real de qualquer realização fônica do poema (a “estrutura de superfície”). Analisando o poema “José” de Carlos Drummond de Andrade, mostrei que somente postulando a existência desses dois níveis podemos explicar certos efeitos rítmicos do poema, os quais tinham também implicações semânticas, ainda que secundárias. No presente trabalho, examino um poema de Fernando Pessoa ortônimo, intitulado “Pierrot bêbado”, com o objetivo de demonstrar que, nesse caso em particular, a utilização do contraponto rítmico é de importância fundamental para o estabelecimento do significado do poema. Em outras palavras, uma parte fundamental do conteúdo semântico do poema — inclusive a relevância do título — é derivada não das palavras, e sim do contraponto rítmico, a interrelação entre os padrões métricos ideais dos dois níveis diferentes. Essa constatação levanta uma discussão a respeito da dificuldade de estabelecer uma separação nítida entre nível semântico e nível formal na análise de um poema, e também coloca problemas especiais para o tradutor de poesia.

Referências
BRITTO, Paulo H. (2009). “O conceito de contraponto métrico em versificação”. Poesia Sempre 31, pp. 71-83.
_________ (2006). “Correspondência formal e funcional em tradução poética”. In Souza, Marcelo Paiva de, et al. Sob o signo de Babel: literatura e poéticas da tradução. Vitória: PPGL/MEL / Flor&Cultura.
LEECH, Geoffrey (1991). A linguistic guide to English poetry. Londres/Nova York: Longman.
PESSOA, Fernando (2006). Poesia 1902-1917. Org. de Manuela Parreira da Silva et al. São Paulo: Companhia das Letras.
PREMINGER, Alex, e T. V. F. BROGAN (1993). The new Princeton encyclopedia of poetry and poetics. Princeton, Nova Jersey: Princeton University Press.




Mauricio Mendonça Cardozo (Curitiba)

Tradução como prática e crítica da razão relacional


A tradução é uma prática ancestral e, seja como instrumento, seja como questão, sempre despertou o interesse de pensadores de várias áreas do saber, não se restringindo, portanto, a um domínio exclusivamente profissional da tradução. A partir da década de 70 do século XX, com o início do processo de institucionalização da pesquisa em tradução, o fenômeno tradutório passaria a figurar como objeto central de um campo de pesquisa bastante amplo e heterogêneo, hoje plenamente estabelecido e conhecido como Estudos da Tradução. No entanto, a despeito de sua imensa força congregadora, que lograria aproximar perspectivas e interesses tão diversos, a circunscrição desse campo de pesquisa não minaria o incessante interesse de outras áreas de especialidade pelo fenômeno tradutório. Da antropologia à psicanálise, da sociologia à filosofia da ciência, a tradução continua despertando a curiosidade de especialistas das mais variadas áreas, que, mais ou menos metaforicamente, servem-se de uma certa compreensão desse fenômeno para os fins de suas próprias reflexões. É provável que boa parte desse interesse remonte a uma percepção da tradução como caso paradigmático de prática social e discursiva de relação com o outro. Não no sentido de que a tradução seja mais relacional que outras práticas sociais e discursivas, mas sim, no sentido de que, como prática social e discursiva, a tradução seria capaz de explicitar, de maneira singular, diferentes aspectos da complexidade de uma relação em construção, de uma poiesis da relação. Mas se, por um lado, sua natureza relacional pode justificar parte desse interesse de outras áreas, como a filosofia, a antropologia e a psicanálise, por outro lado, é de se pensar que a própria teoria da tradução também pudesse se beneficiar de um diálogo com essas mesmas áreas, especialmente com a obra de pensadores que, a seu modo e no horizonte de suas reflexões, construíram uma espécie de pensamento contemporâneo sobre a relação. Partindo de uma perspectiva que, ao dialogar com a obra de filósofos como Emmanuel Lévinas, Jacques Derrida e Jean-Luc Nancy, busca um adensamento da reflexão sobre a natureza relacional do fenômeno tradutório, este trabalho pretende, primeiramente, apresentar os pressupostos de uma perspectiva relacional de compreensão da tradução para, em seguida, discutir a hipótese de que sua singularidade relacional residiria no fato de que a tradução, a um só tempo, tanto realiza uma possibilidade de construção da relação com o outro quanto dramatiza a razão (a ordem, a lógica) que instaura essa possibilidade.




Werner Heidermann (Florianópolis)

Ich möchert schon einmal nach Wien!” – Mief und Muff in Franz Xaver Kroetz’ Oberösterreich (1972) und der brasilianischen Übersetzung von 1979

Alta Áustria ist das Heft No. 20 der Reihe Caderno de Teatro Alemão, die vor rund 30 Jahren von verschiedenen brasilianischen Goethe-Instituten herausgegeben wurde. Die Kroetz-Übersetzung selbst ist in Curitiba entstanden, eine Gruppe von Übersetzern zeichnet für sie verantwortlich, geleitet wurde das Projekt von Heidede Emiliy Liede. Wir gehen der Frage nach, inwieweit das fatal Kleinbürgerliche im Österreich der Siebziger Jahre überhaupt einem brasilianischen Theaterpublikum vermittelbar ist. Wird die Enge der Zweierbeziehung mit ihren Fluchttendenzen als gemeinsame soziale Erfahrung gewertet? Ist Oberösterreich ambitionierte österreichische Landeskunde? Umfassende Zivilisationskritik? Frühe Konsumismuskritik? Inwieweit steht hinter dem Erfolg des Stücks nicht auch ein perfides Behagen am Spießertum der Anderen? In derselben Publikationsreihe erschienen Mensch Meier, Das Nest, und Wer durch Laub geht – mithin ein bedeutender Teil Kroetzscher Theaterdichtung. Der Beitrag wird nach kulturellen Affinitäten fragen und Provokationen einzuordnen versuchen, auch in übersetzungstheoretischer Hinsicht.




Luis S. Krausz (São Paulo)

Traduzir Elfriede Jelinek

A temática dos romances de Elfriede Jelinek invariavalmente gira em torno das mudanças na estrutura de sociedades tradicionais, desencadeadas pelo processo de mundialização de uma economia de molde neo-liberal, em que as relações entre os seres humanos são, cada vez mais, determinadas pelo poder – e em particular o poder econômico. A Pianista, o mais autobiográfico dos romances de Jelinek (que traduzi para o português) é um exemplo desta regra. O texto pode ser lido também como uma crítica da incompatibilidade entre os parâmetros culturais e sociais de matrizes de pensamento moldadas, ao menos em parte, pelas realidades do Império Habsburgo, representados no romance pela mãe, e a tentativa mal-sucedida de participar da cultura de massas, própria do mundo contemporâneo,  representada pela filha, Erika Kohut.
Neste sentido, o confronto central que estrutura esta narrativa pode ser visto como representação metafórica de conflitos próprios a uma sociedade dividida entre o apego às glórias de sua tradição cultural e o assédio permanente de uma mass-media globalizada.  Num país como o Brasil, cuja sociedade apenas nos últimos 15 anos começou a sentir de  maneira mais direta os impactos dos modelos sociais determinados pelo neo-liberalismo, que substituem com intensidade cada vez maior os valores de “sociedade cordial”, tradicionalmente associados ao país, o romance de Elfriede Jelinek, com suas relações humanas aberrantes e distorcidas, tem o sentido de um sinal de alerta para o cancro que se alastra pela sociedade, na forma de degeneração de relaç ões humanas antes regidas pelas regras da cordialidade.
O objetivo de minha apresentação é avaliar a recepção de A Pianista pela crítica nacional e, ao mesmo tempo, traçar alguns paralelos entre as realidades sociais ai representadas e a atualidade social do País.




Johannes Kretschmer (Rio de Janeiro)

O discurso liminar em Wilhelm Raabe e Heinrich Mann

O trabalho almeja estudar o “próprio” e o “alheio” enquanto construções e projeções nos romances Zwischen den Rassen (1907), de H. Mann, e Stopfkuchen (1890), de W. Raabe. Heinrich Mann, cujo primeiro nome Luiz aponta para as raízes brasileiras, reflete sobre a genealogia de identidades complexas, encenando a partir das memórias de sua mãe Julia da Silva-Bruhns a trajetória da brasileira Lola no Império alemão. Já em sua crítica ao imperialismo alemão na África, Wilhelm Raabe investe na dissolução das dicotomias tradicionais do “próprio” e do “alheio” e desenvolve uma técnica narrativa capaz de iluminar a complexidade das relações e transferências culturais.




Susana Kampff Lages (Rio de Janeiro)

Descaminhos da leitura como escrita e tradução: Uma leitura de “O recado do morro”, de João Guimarães Rosa

“O recado do morro” é a narrativa de “um caso de vida e de morte”,  da salvação de um homem, “o enxadeiro Pedro Orósio  (...) também acudindo por Pedrão Chãbergo ou Pê-Boi, de alcunha”, de uma trama armada por sete rivais com a finalidade de matá-lo. O protagonista se salva porque consegue agir no momento exato graças à decifração ou tradução de uma mensagem, o “recado” que segundo seus sete transmissores (e traidores), proviria do morro da Graça. Como em outra narrativa do ciclo de Corpo de Baile, “Dão Lalalão”, a narrativa se desdobra em dois planos, ou seja,  também em “O recado do morro” dois textos correm paralelos, sendo afinal o “Recado” (a narrativa do “recado” e o próprio “recado”), segundo Guimarães Rosa declarou em depoimento a seu tradutor italiano,  “a estória de uma canção a formar-se”. Aqui leremos esse processo de formação como um processo de construção da interpretação adequada de um texto: uma tradução, texto paralelo por excelência.




Andrea Lombardi (Rio de Janeiro)

Haroldo de Campos e a interpretação luciferina

Em sua leitura de Dante Alighieri, empreendida em vários momentos de sua indagação e publicada em Pedra e luz na poesia de Dante (1998), Haroldo de Campos escolhe um caminho muito ousado, na leitura e na tradução: algo de novo em relação às interpretações já realizadas na extensa fortuna crítica de Dante. Tratar de Dante é um desafio, pois há múltiplas gerações de leitores, tradutores, re-tradutores: Haroldo sugere ler Guido Cavalcanti, grande mestre de Dante e do stil novo e amigo do poeta, através da singular leitura que Dante fez do texto de Cavalcanti, proposto na tradução inglesa por Ezra Pound e anteriormente traduzido do inglês para o português. O conceito do Amor -  central para o nascimento da poesia moderna e para Dante – transforma-se assim em luz. A tradução de Haroldo oferece uma possibilidade de inversão radical, um efeito da operação de tradução, como caminho iluminador. A culpa de Lúcifer, segundo leitura de Haroldo, foi de traspassar del segno. A tradução sugere uma superação do texto original sendo uma “empresa luciferina”. Ela aponta para uma “leitura retrocessiva do Inferno, agora como inverso simétrico da metáfora da luz”, onde o Amor (visto como luz e fogo) é absolutamente ausente. Um verdadeiro paradoxo e uma leitura nova de Dante.



Joachim Michael (Hamburg)

Fernando Pessoa e a heteronímia plurilíngüe

A heteronímia de Fernando Pessoa se estende além dos três heterônimos principais e do assim chamado ortônimo e se desdobra igualmente na abundância de heterônimos considerados “menores”: os semi-heterônimos, os sub-heterônimos, os pré-heterônimos e os ‘quase’-heterônimos (personagens). Enfim, o que produziu a heteronímia pessoana não é uma obra senão uma literatura. Nela, não somente o eu-lírico se revela como resultado da ficção poética senão a própria categoria do autor. Nesta literatura, a pessoa por detrás dos textos dissolve-se. Como se fosse pouco, a heteronímia não somente transgride os limites do eu senão também os da língua. Ela não se restringe somente a uma língua. A tradução do e para o inglês era uma das principais atividades literárias de Fernando Pessoa. Ele traduzia outros autores mas também os heterônimos. Pessoa inclusive escrevia poesia e prosa em inglês. Existem heterônimos que escreviam em inglês e francês. Outros traduziam. Existem heterônimos que traduziam heterônimos. Mas o que significam tradução e plurilingüismo no contexto da heteronímia? Esta é a questão a que a palestra se dedica. É certo que a língua (portuguesa) aparece como a (única) realidade válida do eu (“A minha pátria é a língua portuguesa”) – mas somente de um eu (Bernardo Soares). O bilingüismo de Pessoa constitui a origem da fragmentação do eu? Mais adequado que buscar origens, porém, será analisar o fato que não se ficcionaliza somente o autor senão também o tradutor. Conclui-se que literatura sempre inclui tradução. Mas o que parece estar em questão, é que a heteronímia plurilíngüe põe em cena mais do uma literatura: ela representa no mínimo duas literaturas. Certamente, estas literatura ficcionalizadas são desiguais mas sua encenação inclui as passagens translacionais.




Luiz Barros Montez (Rio de Janeiro)

Utopias em questão. Contingências e necessidades discursivas em relatos de viagens de alemães no Rio de Janeiro oitocentista

Em inícios do século 19, o Rio de Janeiro torna-se eixo obrigatório para os viajantes de língua alemã em visita à principal possessão portuguesa nas Américas. Particularmente a partir de 1817, quando da chegada da Arquiduquesa Leopoldina ao Brasil, recém-casada com o Príncipe D. Pedro, proliferam os relatos de viajantes de língua alemã sobre a Capital do Brasil, recém-elevada à categoria de eixo político do Reino Português, ocupado por forças napoleônicas. O Brasil passa a ser "traduzido" para a língua alemã. Em que consiste esta tradução? Como o olhar do viajante se consubstancia em linguagem para o consumo das populações germânicas? A resposta a esta pergunta implica um exercício epistemológico complexo, que não se esgota nos limites dos estudos linguísticos - para não falar dos historiográficos - stricto sensu. Por questões de espaço, propomos nesta comunicação a abordagem exclusiva das condições de produção daqueles relatos nos termos propostos por Fairclough (Analysing Discourse, 2003), isto é, enquanto discursos que agenciam simultaneamente práticas sociais, de representação e de identidade, mas que também são dialeticamente agenciados por estas mesmas práticas.




Heike Muranyi (Belo Horizonte)

Über(-)setzen als (Über)Lebensstrategie. Die brasilianischen Erfahrungen von Stefan Zweig und Paulo Rónai

Was es heißt, in eine andere Sprache und damit in eine andere Welt überzusetzen, ist immer wieder aufs Neue eine spannende, dabei zuweilen durchaus kraftzehrende, mitunter frustrierende, aber stets bereichernde Erfahrung. Wie verhält sich dies im Falle derjenigen, die ihre heimatliche Welt aus existentiellen Gründen verlassen mussten, ohne zu wissen, ob sie sie jemals wiedersehen würden?
Die Lebenswege Stefan Zweigs und Paulo Rónais nehmen ihren Anfang in den geistigen Metropolen Mitteleuropas. Beide gleichermaßen verschlägt es auf der Flucht vor den Nationalsozialisten nach Brasilien, wo sie sowohl ihre Situation als jüdische Migranten als auch den Verlust ihrer Welt von gestern sehr unterschiedlich handhaben und nicht zuletzt auch bei dem Versuch, geistig und emotional in die neue Welt überzusetzen, verschiedene Wege einschlagen.
Die Auseinandersetzung Zweig und Rónai begreift den Übersetzungsprozess als ein alle Bereiche des Lebens im Anderen (und im Eigenen) mit einschließendes, infinites Phänomen, an dem durchaus auch Strategien des Überlebens abgelesen werden können. Das Ineinandergreifen von Leben und Schreiben, von Über-setzen und Übersetzen und die Spielarten von Akkulturation und Transkulturation sind somit die Aspekte, die für meine Betrachtung dieser beiden Europäer in den Tropen tragend sind.




Isabel Florêncio Pape (Belo Horizonte)

A utopia da tradução em Austerlitz : uma obra entre três linguagens

Se a tarefa do tradutor está fundada na diferença das línguas e paradoxalmente sobrevive da busca de superar essa diferença, o que se pode dizer sobre uma tradução, que além de tentar transpor esse “gap” lingüístico e conceitual, ainda se confronta com a diferença surgida da  relação entre dois regimes de signos?
A presente contribuição visa pensar a “tarefa da tradução“ a partir de três versões  do livro Austerlitz do escritor alemão W.G. Sebald. A obra editada primeiramente pela Fischer Verlag em 2001 na Alemanha teve sua tradução  publicada em 2004 pela Editorial Teorema em Portugal e posteriormente editada no Brasil pela Companhia das Letras em 2008.
Trata-se aqui de colocar em paralelo estas três versões, pensando não só as diferenças entre as três línguas, como também as dificuldades impostas pelo fato de ser uma obra  calcada na interface entre imagem e texto.
Nas duas versões de língua portuguesa percebe-se que a nova disposição das imagens (imposta muitas vezes por questões formais como formato, custos de produção, etc), transforma a relação de fricção e suplementariedade entre o verbal e o visual proposta pelo autor, numa relação quase „burocrática“ que também revela a tarefa utópica de uma tradução que permitiria superar as distâncias simbólicas ( no campo da língua e das linguagens).
Estas diferenças apontam para o aspecto abissal da impossibilidade de se contar com uma língua universal, e que são de certa forma acentuadas, quando um novo formato vem modificar a relação imagem-texto proposta pela obra de referência.
Especialmente quando se contrasta as duas versões de língua portuguesa em relação à obra alemã,  percebe-se que as diferenças surgidas não só a partir do universo linguístico, mas também na forma como imagem-texto se interagem, deixam claro quão utópica é a trajetória tradutora. 




Denise Edna Dutra de Souza Pinto (Rio de Janeiro)

Wilhelm Raabe no Brasil

O presente artigo tem como base o conto “Zum wilden Mann” (1873) de Wilhelm Raabe. O conto foi traduzido e publicado em 1923 por Clemente Brandenburger sob o título “A botica Ao selvagem”. Trata-se provavelmente da primeira obra traduzida de Raabe no Brasil. Analisaremos os seguintes aspectos: a) a contribuição de Klemens Gaspar Maria Brandenburger, um historiador alemão posteriormente naturalizado brasileiro, para a divulgação da cultura alemã no Brasil;b) a tradução proposta por Brandenburger; c) a percepção da cultura brasileira nesta obra de Raabe e as referências à natureza (a floresta, os selvagens) e à política.




Kathrin Rosenfield (Porto Alegre)

O Alienista: a absorção machadiana do imaginário do asilo

As interpretações desta novela partem em geral de considerações sociais e políticas, vendo a intervenção do Dr. Bacamarte sob o prisma da dominação colonial , prolongada pelo exercício do poder através da ciência. Nossa abordagem partirá de um ângulo diferente. Seguindo as idéias de G. Freyre e de Oliveira Vianna, destacaremos, em primeiro lugar, a sátira que caracteriza como “loucura” certas características da sociabilidade brasileira responsáveis pelo atraso e pelos insucessos das reformas de Dom Pedro II (cordialidade, retórica pomposa, clientelismo, ignorância administrativa, não separação do público e do privado, etc.).
Em segundo lugar, compararemos a obra de Machado com os fantasmas angustiantes de autores europeus (Kleist, William James), cujos retratos de Asilos contrastam com a ficção machadiana que pinta em estilo leve, irônico e satírico o microcosmo do asilo, enquanto imagem do macrocosmo do mundo social.




Maria Aparecida Salgueiro (Rio de Janeiro)

Traduzindo culturas: descobrimentos, utopias e diversidade em textos em língua portuguesa do Brasil

O presente texto busca apresentar uma breve síntese de rumos recentes tomados pelos Estudos de Tradução no que diz respeito a sua íntima relação com o campo dos Estudos Literários. Não se trata de argüir ou questionar, como querem alguns, se os Estudos de Tradução assim se afastam definitivamente dos Estudos Lingüísticos e dessa forma adquirem nova identidade, ou se trata de nova vertente. Não – definitivamente, relembramos que é impossível fazer ciência trabalhando-se com binarismos. O mundo, a Arte, a vida são plurais e como tal exigem visão bem mais abrangente para que a ciência siga seu rumo esperado de avanços.
Partimos do ponto em que pesquisas e estudos das últimas décadas têm mostrado que a tradução não é apenas um processo inter-lingual, mas fundamentalmente, uma atividade inter-cultural. No mundo contemporâneo, é recorrente a representação transcultural de diferentes ordens. Na agenda contemporânea, a globalização da comunicação, o multiculturalismo, a tradição e a transmissão cultural geram constantes debates ideológicos, emprenhados pela política. Nesse quadro, segue fundamental o papel da Tradução na difusão da diversidade cultural no mundo contemporâneo. Nesse sentido e inegável que Tradução e Estudos Culturais seguem cada vez mais próximos nos últimos tempos. Aspectos relacionados à tradução para a língua portuguesa do Brasil de obras afro-americanas, assim como os contextos político e cultural que delineiam a seleção, tradução e recepção da literatura traduzida serão centrais na discussão. 




Mônica Guimarães Savedra (Rio de Janeiro)

Gramática e cultura contrastiva em língua portuguesa e língua alemã: questões de tradução e ensino

Em estudos sobre de línguas em/de contato, o processo de aquisição de línguas é tratado como um processo relativo, que envolve muitos fatores determinados pelo contexto de aquisição e pelo seu uso tópico e dinâmico das línguas em diferentes ambientes comunicativos: família, sociedade, escola, trabalho, o que ainda implica na aquisição de atitudes, valores, crenças e descrenças de determinados grupos, em estreita relação entre língua, cultura e identidade. (SAVEDRA, 2009). Entretanto, nestes estudos fica claro que ao lado dos fatores sociolingüísticos e socioculturais, outros fatores, estabelecidos por dimensões conceituais e estruturais, também emanam como relevantes durante o processo de aquisição e uso das línguas nas situações de contato linguistico.
Neste trabalho, reunimos ao lado do paradigma de tradição sociolinguista, baseado no uso funcional da língua, o paradigma da  Lingüística contrastiva (Kontrastive Liguistik), mas precisamente da Gramática constrastiva (Kontrastive Grammatik), em interação com a  cultura constrativa (Kulturkontrastive),  como proposto no estudo de Göetz , Müller-Liu e Traoré (2009). Delimitamos a pesquisa aos estudos contrastivos em língua alemã (LA) e língua portuguesa (LP), na variedade do português brasileiro (LPB). Selecionamos como elemento linguístico de análise o uso das formas verbais em LA e em LPB nas traduções em ambas as línguas, como língua de partida  e como língua de chegada. O objetivo geral do estudo é identificar e analisar a escolha funcional das formas verbais em LA e em LPB, para referenciar asserções condicionais nas traduções em ambas as línguas. Como objetivos específicos, o estudo pretende fornecer bases linguísticas para estudos contrastivos em LA e em LP. O referencial teórico engloba a perspectiva atual dos estudos contrativos que consideraram a interação gramática- cultura  e da sociolinguística cognitiva, como apresentada por Geeraerts, Kristiansen e Peirsman (2010) e por Kristiansen e Dirven (2008). Nesta perspectiva investigamos modelos cognitivos de construções gramaticais e modelos ideológicos expressos pela representação lingüística identificada nas traduções em LA e em LPB. Também utilizamos os estudos de  Kątny und Socka (2010), que discutem a questão da modalidade e da temporalidade (Modalität e Temporalität), com base em estudos comparativos de diferentes línguas, privilegiando a interação Tempo-Modo-Aspecto.  metodologia de investigação selecionada é descritiva, apoiando-se em dados. O corpus da pesquisa  é constituído por textos literários, de caráter narrativo, escritos em LA e em LPB, bem como suas respectivas traduções.

Referências bibliográficas
GEERAERTS, D.; KRISTIANSEN, G.; PEIRSMAN, Y. (Ed.). Advances in cognitive sociolinguistics. . Berlin: Walter de Gruyter, 2010.
GÖETZ, L.; MÜELLER-LIU, P.; TRAORÉ, S. Kulturkontrastive Grammatik – Konzepte und Methoden. Fankfurt am Main: Peter Lang, 2009.
KĄTNY und SOCKA (Hg.). Modalität/Temporalität inkontrastiver und typologischer Sicht. Frankfurt am Main: Peter Lang , 2010
KRISTIANSEN, G. & DIRVEN, R. (Ed.) Cognitive Sociolinguistics: language variation, cultural models, social systems. Berlin: Walter de Gruyter, 2008.
SAVERDRA, M.M.;G. Bilinguismo e Bilingualidade: uma nova proposta conceitual. In: SAVEDRA, M.M.G & SALGADO, A.C.P. Sociolingüística no Brasil: uma contribuição dos estudos sobre línguas em/de contato. Rio de Janeiro: 7 Letras, 2009, v.1, p. 121-140.




Sabrina Sedlmayer (Belo Horizonte)

Além Atlântico: a prática tradutória de Herberto Helder

Na história da palavra, contada pela obra de Herberto Helder, a tradução é tomada não apenas como exercício poético equivalente ao gesto de criação, como também uma sinuosa reescrita que visa a atualização de vozes de poetas que em temporalidades distintas, culturas diversas, partilham elementos acerca de um específico saber poético.  A via a que recorre o poeta para o estabelecimento do diálogo com textos outros -  que denomina “vozes comunicantes”- ,  não se restringe ao espaço de uma memória nacional ou de um imaginário imperialista e mítico português. Helder se detém, como tradutor, na poesia ameríndia – asteca, quíchua,  Yuma, Sioux, Omaha, Navaja, na dos índios das montanhas rochosas, na dos peles-vermelhas- como também na dos esquimós, tártaros, japoneses, indonésios, árabes-andaluzes e mexicanos do ciclo nauatle. A sua prática tradutória parece recusar a noção de literatura como discurso historicamente demarcado no espaço e no tempo ao ignorar parte considerável da poesia moderna oriunda da civilização européia e, ao escolher universalmente (e não em termos utópicos de uma circunscrição de uma única língua portuguesa), vozes que heterodoxalmente mesclam lucidez com desvario. Blake, Artaud, Michaud, Herman Hesse e Lawrence são traduzidos lado a lado aos poemas do Velho Testamento e do Egito Antigo. Na antologia Edoi lelia doura (1985), poetas como Gomes Leal, Ângelo de Lima e António Gancho, tidos como “loucos”e “miseráveis” são recuperados  junto aos surrealistas Cesariny, António Maria Lisboa, Nathália Correia e António José Forte. Neste livro, alicerçado segundo a “posse dos encontros” (Helder, 1985, p.8), o antologista seleciona dezoito poetas portugueses que, em sua visão, possuem uma inspiração em comum, “uma comum arte do fogo e da noite, o mesmo patrocínio constelar.” (Helder, 1985, p.8) Como antologista, Helder escolhe  a ênfase, a loucura, o êxtase, a inocência, o primitivo, da mesma maneira que escolhe poetas e poemas para o exercício tradutório.
Violência e voracidade são alguns dos termos cunhados por críticos para descrever o processo de tradução helderiana , assim como seu empenho de antologista e de poeta. Nos escassos prefácios e notas explicativas, o escritor laconicamente responde que desconhece línguas, que não traduz, mas que muda poemas para o português. A tradição desenhada pelo poeta surge, assim, através da imagem de uma corda com nós.  E não há uma origem para que se estabeleça esses pontos de contato e de diálogo no colóquio continuado que o poeta realiza com culturas absurdamente diferentes da sua.  Refletir sobre a singular tarefa desse tradutor que se auto define como um “bebedor noturno”  é o que se pretende neste trabalho.



Márcio Seligmann-Silva (Campinas)

Vilém Flusser: entre a tradução como criação de si e a pós-tradução

A proposta do trabalho é a de pensar a tradução do ponto de vista de Vilém Flusser, mas procurando aproximar sua teoria e prática da tradução de sua concepção de que vivemos em um universo que se torna imagem. Se já para os românticos a tradução implicava um movimento de “abandono criativo de si”, no qual o “sair de si” permitia a criação do “eu”, agora com Flusser e sua teoria das imagens técnicas e eletrônicas a impressão que se têm é que se passa desse paradigma dinâmico do romantismo para outro paradigma, onde não é mais a circulação que cria a identidade, mas, antes, onde a síntese de imagens permite que vislumbremos um existir para além da identidade. Trata-se de um paradoxo, de uma utopia negativa, mas que em Flusser assume tons positivos, dentro de sua profecia do mundo que se torna imagem. Em Flusser vemos uma concomitância da ideia de nomadismo romântica (isso tanto em sua filosofia do exílio como em sua teoria da tradução) e de sua visão desse mundo que se torna imagem. Nossa proposta é a de tentar articular esses dois aspectos a teoria flusseriana.

 

Coordenação grupo B:
Tinka Reichmann (São Paulo) / Thomas Sträter (Heidelberg)
E-Mail
 

 

 “Utopia da Tradução – Tradução da Utopia”


A presente seção pretende abordar diferentes dimensões da tradução e dos estudos tradutológicos, compreendidos num sentido mais amplo como mediação lingüístico-cultural e diálogo intercultural, no contexto dos países de expressão alemã e portuguesa. As propostas de comunicações deverão estar relacionadas ao tema geral do IX Congresso de Lusitanistas “Descobrimentos e utopias: A diversidade dos países de língua portuguesa” a fim de garantir uma coerência dos temas apresentados.

Poderão ser propostos temas gerais relacionados a métodos de pesquisa nos estudos tradutológicos e suas abordagens teóricas, mas também temas específicos relacionados à crítica de tradução, a problemas de tradução da literatura lusófona para o alemão e vice-versa (lírica e outras), à recepção da literatura traduzida do português ou do alemão, a estudos comparados de traduções, ao tradutor como figura literária e histórica, a perfis de tradutores específicos e, finalmente, à terminologia e à tradução de especialidade. Poderá ser dado especial enfoque a teorias tradutológicas mais recentes da Lusofonia e a aspectos práticos da tradução.


Participantes:


Isabel Desmet (Paris): «Terminologia e tradução especializada: variação e diversidade cultural»

João Miguel Quaresma Mendes Dionísio: «A Salomé de M. S. Lourenço»

Johanna Klute (Heidelberg): «Karneval der Kinder. Zum Übersetzen von Kinderliteratur aus Brasilien»

Alice Leal (Wien): «Copo Cheio ou Copo Vazio? Reflexões sobre a Teoria e Prática de Tradução no Brasil»

Tinka Reichmann (São Paulo): «A utopia da tradução jurídica: estudo contrastivo de termos da organização judiciária (Brasil/Alemanha)»

Tito Lívio Cruz Romão (Fortaleza): «Animais em viagens de além-mar: fraseologias cotejadas entre o Português do Brasil e o Alemão»

Teresa Seruya (Lisboa): «Contributos para uma história da tradução em Portugal»

Thomas Sträter (Heidelberg): «Sprachproblematik und Übersetzung in Mia Coutos Roman O último voo do flamingo»

Sandra M. Tamele (Maputo): «Ponte entre Culturas: O papel do tradutor moçambicano»

Karin Volobuef (Araraquara): «Irmãos Grimm traduzidos no Brasil»

Karin Weise (Rostock): «Die perfektiven Verbalperiphrasen in literarischen Texten der modernen portugiesischen Prosa und ihre Wiedergabe im Deutschen»



Resumos



Isabel Desmet (Paris) Terminologia e tradução especializada: variação e diversidade cultural

Nestes últimos dez anos, a terminologia e a tradução de especialidade têm evoluído paralelamente e ambas têm beneficiado dos progressos científicos, tecnológicos e técnicos da linguística de corpus contemporânea.
Na presente comunicação, faremos em primeiro lugar um breve balanço dos principais contributos da linguística de corpora especializados para a terminologia e para a tradução especializada, do ponto de vista das práticas.
Em seguida, apresentaremos sumariamente as mudanças epistemológicas mais marcantes no campo dos estudos teóricos em terminologia e suas consequências mais directas para a tradução de especialidade. Um enfoque muito especial será dado à terminologia textual, à terminologia social, à terminologia sociocognitiva, à terminologia variacionista e à terminologia cultural.
Finalmente, com base em alguns pressupostos teóricos da terminologia variacionista e da terminologia cultural, apresentaremos alguns exemplos concretos de casos terminológicos preponderantes e decisivos em tradução de especialidade, nomeadamente no domínio jurídico, abordando diferenças terminológicas e culturais entre o português de Portugal e o português do Brasil.




João Miguel Quaresma Mendes Dionísio

A Salomé de M. S. Lourenço

O filósofo e escritor M. S. Lourenço (1936-2009) dedicou parte importante da sua actividade intelectual à tradução, o que se nota desde as colaborações no jornal dos universitários católicos Encontro, na segunda metade dos anos 50 do séc. XX, até à compilação literária final O Caminho dos Pisões (2009). O seu entendimento da tradução, embora não unívoco ao longo do tempo, depende de vários pressupostos, como por exemplo:

1) a história literária não é evolutiva, mas cíclica, daí que ela se alimente menos de texto "originais" do que de textos revisitados;

2) a revisitação dos textos manifesta-se sob várias formas, sendo uma delas a tradução em sentido estrito ou em sentido lato (que inclui a homenagem, a imitação, entre outras);

3) a tradução do texto literário aspira a ser arte, não tendo por definição nenhuma posição subalterna em relação ao texto traduzido.

A proposta que M. S. Lourenço faz de uma Salomé (publicada em 1991 e republicada em 2009) em português ilustra uma prática baseada nestes pressupostos. O objectivo da comunicação é mostrar como convivem no texto português diversas modalidades de apropriação, contextualizá-las na tradição de autores que se dedicaram a esta matéria (Flaubert, Wilde, H. Lachmann) e procurar um sentido para algumas das opções tomadas por M. S. Lourenço.




Johanna Klute (Heidelberg)


Karneval der Kinder. Zum Übersetzen von Kinderliteratur aus Brasilien

Im Rahmen der allgemeinen Studien zur Übersetzungswissenschaft hat das Übersetzen von Kinder- und Jugendliteratur in den letzten Jahren zunehmend Beachtung gefunden. Dabei manifestiert sich wiederholt Kritik an der postulierten Internationalität von Kinderliteratur: Die Forderung nach der kulturspezifischen Charakterisierung einzelner Kinderliteraturen wird zur Voraussetzung für die Erforschung des Transfers kinderliterarischer Werke über Sprach- und Kulturgrenzen sowie der Wandlung (oder Konstanz) die die jeweilige Literatur bei ihrer Übertragung in eine andere Kultur erfährt.

Brasilien gilt als das kinderliterarisch reichste Land Lateinamerikas. In der deutschen Literaturlandschaft findet sich jedoch nur eine vergleichsweise geringe Anzahl an deutschen Übersetzungen brasilianischer Kinderliteratur. Zwar wurden vereinzelt brasilianische Autorinnen wie bspw. Ana Maria Machado und Lygia Bojunga, beide Preisträgerinnen internationaler Literaturpreise, ins Deutsche übersetzt; jedoch vermochten es ihre Werke nicht, ihre Position auf dem deutschen Buchmarkt zu sichern. Mein Beitrag wird sich daher mit der Frage beschäftigen, was, in welchem Umfang, von wem, wann, wo und vor allem wie übersetzt wurde, und im Folgenden anhand von Beispieltexten mögliche Gründe für verzögerte oder ausbleibende Übersetzungen aufzeigen.

Diese Darlegungen werden von der finnischen Translationswissenschaftlerin Riitta Oittinen unterstrichen: In Translating for Children (Routledge, London 2000) wendet sie die Theorien des russischen Literaturhistorikers Michail Bachtin zur Kultur des Karnevals auf das Übersetzen, und insbesondere das Übersetzen von kinderliterarischen Texten an. Der Karneval dient dabei als Metapher für Übersetzung. Die Welt des Karnevals verkehrt die vorherrschenden hierarchischen Strukturen ins Gegenteil. Das Oittinens Theorie zu Grunde liegende Verständnis von Übersetzung lässt sich demnach als karnevalesker Akt der Neukomposition beschreiben. Die Bezugnahme auf ein karnevalistisches Übersetzungsprinzip rechtfertigt gleichsam jede autonome Entscheidung des Übersetzers, Änderungen am Ausgangstext im Sinne des (kindlichen) Lesers vorzunehmen. Inwiefern kann die Theorie des karnevalesken Übersetzens für kinderliterarische Übersetzungen aus dem Brasilianischen und deren Rezeption im Ausland von Bedeutung sein?




Alice Leal (Wien)

Copo Cheio ou Copo Vazio? Reflexões sobre a Teoria e Prática de Tradução no Brasil (1)

O objeto do presente trabalho, baseado em tese de doutoramento de mesmo título (em inglês), é o conflito teoria versus prática de tradução no Brasil. Tal conflito é tomado como um fenômeno multifacetado, que por sua vez depende de dois conjuntos de fatores centrais. O primeiro conjunto de fatores refere-se ao ponto de vista, ou à perspectiva que se tem com relação à tradução – ou seja, se se é tradutor praticante, pesquisador em tradução, estudante de tradução e assim por diante. Já o segundo conjunto de fatores concerne à afiliação ou afinidade filosófica a um modo de pensar predominantemente essencialista ou antiessencialista. Para além do estudo desses dois grupos de fatores, o presente trabalho também analisa as obras de dois renomados estudiosos da tradução brasileiros, Rosemary Arrojo e Paulo Henriques Britto. Suas perspectivas com relação à tradução, bem como seus pontos de vista teóricos, ajudam a ilustrar e desenvolver as reflexões iniciais quanto ao conflito teoria versus prática de tradução, dando origem a uma série de questões que, por sua vez, não se limitam apenas aos estudos da tradução no Brasil, mas sim têm relevância à área em termos gerais. Por abordar questões como, por exemplo, a institucionalização da tradução, o propósito da teoria de tradução, o objetivo da formação de tradutores, o impacto do pensamento pós-estruturalista nos estudos da tradução, entre outras, este trabalho apresenta um panorama do campo dos estudos da tradução atual.

(1) O presente trabalho foi apresentado, em março de 2011, como tese de doutoramento no Programa de Pós-Graduação em Tradução do Centro de Estudos da Tradução da Universidade de Viena, sob o título “Is the Glass Half Empty or Half Full? Reflections on Translation Theory and Practice in Brazil” e sob orientação da Profa. Dra. Mary Snell-Hornby. O projeto foi aprovado no mês de junho e será defendido na primeira semana de setembro de 2011.

Palavras-chave: Estudos da Tradução, Teoria de Tradução, Prática de Tradução, Pensamento Pós-estruturalista




Tinka Reichmann (São Paulo)

A utopia da tradução jurídica: estudo contrastivo de termos da organização judiciária (Brasil/Alemanha)

Na presente comunicação serão apresentadas abordagens teóricas que estudam as linguagens de especialidade enquanto sistemas de conhecimento que se manifestam em diferentes níveis (social, cognitivo, técnico, textual, estilístico e léxico-gramatical) e que podem ser descritos a partir de um ponto de vista contrastivo.
O foco da comunicação será a tradução jurídica, que se caracteriza essencialmente pelas marcadas específicas de duas ordens jurídicas nacionais em contraste, dificultando a transferência de termos e conceitos de um sistema jurídico para outro, mesmo no âmbito de uma mesma língua. Com base na noção de sistemas de conhecimento serão discutidos exemplos concretos de termos relacionados à organização judiciária do Brasil e da Alemanha.




Tito Lívio Cruz Romão (Fortaleza)


Animais em viagens de além-mar: fraseologias cotejadas entre o Português do Brasil e o Alemão


Ao escrever sua carta a El-Rei D. Manuel sobre o achamento do Brasil, Pêro Vaz de Caminha ressaltou a presença de “(...) papagaios vermelhos, muito grandes e formosos, e dois verdes pequeninos (...)” na Ilha de Vera Cruz. Também explicou um dado então curioso: “Não há aqui nem boi, nem vaca, nem cabra, nem ovelha, nem galinha, nem qualquer outra alimária”. Via-se ali um primeiro choque entre dois mundos com bichos, aves, peixes, insetos bastante diferentes. Todos estes, assim como tudo o que cerca os seres humanos, fazem-se presentes, de uma forma ou de outra, nas línguas faladas pelos diferentes povos da Terra. No espaço linguístico-cultural do Português do Brasil, existe uma série de fraseologias (expressões idiomáticas, expressões feitas, provérbios, colocações etc.), cujo tecido imagético ostenta figuras de animais. Procedendo-se a uma análise acurada das imagens construídas com designações de animais, é possível realizar uma classificação de tais expressões, à guisa de exemplo, conforme a origem dos animais nelas envolvidos. Uma investigação desta ordem é útil para explicar os caminhos que podem conduzir a estratégias de tradução de idiomatismos com designações de animais, p. ex. entre o Português do Brasil e o Alemão. Há animais de natureza bíblica, que, dada a sua menção num texto sagrado de grande repercussão, oferecem seguranças de equivalências entre estes dois idiomas: Jonas e a baleia = Jonas und der Wal; o bezerro de ouro = das goldene Kalb). Animais oriundos de fábulas de Esopo ou La Fontaine são igualmente fáceis de lidar no ato de traduzir, assim como muitos dos animais das selvas africanas. Mas também há animais com raízes claramente brasileiras, que estão presentes em muitas fraseologias do vernáculo nacional. Devido a seu forte colorido local, muitas vezes as expressões fraseológicas construídas com animais deste grupo não encontram, no espaço linguístico-cultural da língua alemã, fraseologias correspondentes que também contenham metáforas relativas a animais (ainda que de outra espécie). Para ilustrar: estar ou ficar uma arara / ficar um siri na lata = bose, wütend werden). Ademais, há animais comuns ao patrimônio lexical de ambas as línguas, mas que podem assumir, em cada um dos territórios linguístico-culturais, novas funções: um gato (para a TV a cabo) = ein unerlaubter (Kabelfernsehen-)Anschluss. Também existem casos em que outro animal mais comum à área de domínio da língua alemã, p.ex., assume a função metafórica do bicho brasileiro: ser um macaco velho = ein alter Hase sein). O objetivo deste trabalho é verificar, com base em diferentes exemplos de expressões populares e/ou eruditas, a problemática da tradução intercultural a ser processada nas situações acima descritas, bem como elencar expressões tipicamente brasileiras com designações de animais, acompanhadas de uma proposta de tradução para a língua alemã.

Palavras-chave: fraseologias – animais – tradução intercultural




Teresa Seruya (Lisboa)

Contributos para uma história da tradução em Portugal

Começaremos por falar dos problemas relativos à historiografia da tradução em geral, um empreendimento de muito difícil concretização, dado o campo vastíssimo abrangido por todos os intervenientes na tradução. Passaremos de seguida para uma breve reflexão sobre as possíveis razões de um aparente desinteresse pelo assunto da parte de investigadores portugueses, desinteresse este que contrasta com a forte presença da tradução no tecido cultural português, pese embora a sua imagem negativa. Aliás, os estudos de tradução – referimo-nos tanto aos Translation Studies como à Übersetzungswissenschaft – são muito recentes em Portugal, embora já tenham produzido alguns resultados importantes.
Falaremos essencialmente dos resultados de projectos de investigação preparatórios de uma futura história da tradução em Portugal. Tem sido possível conjugar alguma reflexão teórica com recolha empírica de dados, ao mesmo tempo que se avançou para estudos de caso, sobretudo dos séculos XIX e XX, com vista a um melhor conhecimento do campo, e para a análise de problemáticas mais específicas, como o tópico “tradução e censura”, centrado no período do Estado Novo (1933-1974) – que sem dúvida constituirá por si um capítulo da história da tradução em Portugal. Outro aspecto característico da tradução em Portugal são as antologias e colecções, forma muito popular e frequente de divulgar textos, géneros e autores. Também a investigação sobre tradutores portugueses já deu pequenos passos no sentido da sua identificação. Alguns estudos parciais já permitiram também ter uma ideia das culturas estrangeiras dominantes em Portugal no tempo do Estado Novo, às quais se foram preferencialmente buscar textos para traduzir.
Como contributo relevante para a indispensável “fase arqueológica” (Anthony Pym) deste projecto  falaremos, por fim, do work in progress que é o projecto “Intercultural Literature in Portugal 1930-2000: a critical bibliography”, um instrumento básico que ajudará certamente a impulsionar os estudos de tradução em Portugal.




Thomas Sträter (Heidelberg)

Sprachproblematik und Übersetzung in Mia Coutos Roman O último voo do flamingo

Der Vortrag stellt die Rolle eines Übersetzers und Dolmetschers innerhalb eines fiktionalen Werks in den Mittelpunkt. Der mosambikanische Autor Mia Couto greift den Sprachen- und damit einhergehenden Kulturkonflikt seines Heimatlandes auf, eines seiner literarischen Hauptthemen. Die Handlung spielt vor dem geschichtlichen Hintergrund des jahrelangen Bürgerkriegs nach der Unabhängigkeit von Portugal, 1975, der bis 1992 währte, als schließlich Uno-Friedens-Truppen intervenierten; sie blieben in den darauf folgenden zwei Jahren bis zu den Präsidentenwahlen 1994 im Land: Ein italienischer UN-Offizier, Massimo Risi, soll das mysteriöse Verschwinden von UN-Blauhelmen untersuchen; dazu wird ihm ein namenloser afrikanischer Dolmetscher zur Seite gestellt. Bei der Suche nach den Verschwundenen werden die Schwierigkeit und schließlich das Scheitern der interkulturellen Kommunikation zwischen dem Europäer und einer afrikanischen Sprache und ihrer Kultur offenbar.
Im postkolonialen Diskurs des Versuchs eines „Verstehens“ des Anderen konkretisiert sich die Unmöglichkeit dies allein über die Sprache, hier das Portugiesische, zu erreichen. Gleichzeitig entpuppt sich in der doppelten Zugehörigkeit des Übersetzers/Dolmetschers zu beiden Sprachen und Kulturen aus der bzw. in die er übersetzt/dolmetscht seine prekäre Situation innerhalb seiner Gemeinschaft. Auch der Ich-Erzähler und mit ihm der Autor Mia Couto werden für den Leser dabei zu „Übersetzern“ einer Geschichte und mithin der Geschichte Mosambiks, die von der Macht und Ohnmacht der Sprache, ihrer Ausübung, ihrem Missbrauch, nicht zuletzt von ihrer Schönheit und Magie handeln.




Sandra M. Tamele (Maputo)


Ponte entre Culturas: O papel do tradutor moçambicano

A actividade tradutológica em Moçambique ocorre num cenário de multiplicidade linguística e cultural que acrescenta desafios e ambiguidade a esta profissão de si tão parcamente regulamentada e controlada.
Em Moçambique, um país em que até a data não existe nenhuma Academia das Letras ou um órgão regulador da actividade de tradução, ou uma associação de profissionais da área, levantam-se com frequência questões éticas relativas não só à qualidade do serviço do “tradutor” como ao perfil de quem está apto para desempenhar este papel.
Muitas vezes, este papel é assumido por qualquer pessoa que fala, bem ou mal, pelo menos duas línguas (geralmente uma das quais a portuguesa, a língua oficial no país, que por si só é língua materna de uma pequena porção da população) e que na maioria nunca recebeu formação formal na área de tradução escrita ou oral. Paradoxalmente, aparentemente a maioria dos tradutores credenciados e formados pela maior universidade do país, muitas vezes acabam por não exercer a profissão.
O “tradutor” moçambicano trabalha em cenários que se cingem basicamente à tradução juramentada de documentação administrativa e à ocasional, ou não, contratação para serviços de interpretação.
A vertente da tradução literária é cinge-se ao trabalho de uma pequena elite de estudiosos que publica poucas ou nenhuma das traduções realizadas, com o actual rol de traduções literárias (realizadas por moçambicanos) em Moçambique a resumir-se até hoje à publicação de uma tradução para o Português de um romance Italiano.
A presente exposição procurará trazer informação, tais como dados demográficos e sociais sobre o tradutor e a tradução em Moçambique; uma análise situacional da tradução juramentada e literária em Moçambique; e os constrangimentos e oportunidades para a regulamentação da tradução através de dados obtidos, entre outros, através de pesquisa documental, entrevistas com linguistas e professores da faculdade de letras da UEM.




Karin Volobuef (Araraquara)


Irmãos Grimm traduzidos no Brasil


A antologia Kinder- und Hausmärchen, lançada em 1812/1815 pelos Irmãos Jacob e Wilhelm Grimm, é um dos textos da literatura alemã de maior impacto no âmbito internacional: além de contribuir decisivamente para estabelecer os parâmetros do gênero “Märchen” (e, a partir dele, os da literatura infantil), ajudou a despertar e sedimentar o interesse acadêmico e artístico pelas narrativas de origem popular. No Brasil, já no séc. 19 começaram a reverberar as ideias dos Grimm: de um lado, a coleta de narrativas por Silvio Romero (Contos populares do Brasil, 1883); de outro, a publicação das primeiras traduções e adaptações por Alberto Figueiredo Pimentel (Contos da Carochinha, 1894). Desse momento em diante, a presença dos contos dos Grimm nas livrarias e bibliotecas brasileiras tornou-se uma constante, delineando uma trajetória a que se agregam nomes como Monteiro Lobato, Ana Maria Machado, Marina Colasanti, cuja relação com os Grimm vai da tradução à recriação. Nos dias atuais, a imensa variedade de traduções disponível no mercado confirma que os contos dos Grimm não perderam nada de seu antigo apelo aos leitores. Trata-se, aliás, de uma presença tão volumosa e constante que os Kinder- und Hausmärchen podem ser considerados um tijolo essencial da formação dos brasileiros. Cabe-nos, então, perguntar como os tradutores lidaram com as especificidades culturais e a distância temporal que nos separam dos filólogos de Kassel. Essas peculiaridades ganharam novas tonalidades e se “abrasileiraram”, ou foram simplesmente apagadas? E que consequências isso trouxe? A análise de duas publicações – da editora Edigraf (tradução de Íside M. Bonini, 1961) e da Villa Rica/Itatiaia (tradução de David Jardim Jr., 1994; e de Eugênio Amado, 2006) – revela tanto posturas diversas frente à atividade de traduzir, quanto preocupações específicas em relação às expectativas dos leitores. A presente comunicação parte do pressuposto de que a abordagem dos Grimm em solo brasileiro abre espaço para amplas discussões acerca do papel e do impacto da tradução, como também acerca da relação cultural entre Brasil e Alemanha.




Karin Weise (Rostock)

Die perfektiven Verbalperiphrasen in literarischen Texten der modernen portugiesischen Prosa und ihre Wiedergabe im Deutschen

Die portugiesischen Verbalperiphrasen im PPS gehören nicht zu den zentralen Ausdrucksmitteln der Aspektualität. Sie treten im Sinne von Aktionsarten auf, die als zusätzliche (periphere) Mittel grammatisch-semantisch dem verstärkten Ausdruck der Abgeschlossenheit/Abgegrenztheit  der durch sie bezeichneten Sachverhalte dienen.
Im Ergebnis eines kontrastiven Vergleichs verbaler Umschreibungen im PPS innerhalb von literarischen Texten  und ihrer Wiedergabe in deutschsprachigen Übersetzungen, kann belegt werden, dass  die Konstruktionen  acabaram de comer, acabei por se perder und deixei de ter lugar aufgrund der lexikalischen Eigenbedeutung des Hilfsverbs den perfektiven Aspekt, der durch den Gebrauch des PPS indiziert ist, präziser bezeichnen können. Die Konstruktionen tornei a chamá-lo, voltei a escrever (Repetition), passou a  a ser verdade (Finalität), continuou a ser cumulada (Durativität/Kontinuität), vimos falando, veio procurar-nos (Prozessualität/Bewegung auf den Sprechmoment zu), comecei por ter dores und comecei por falar (Beginn einer Handlungskette) modifizieren in subtiler Weise die Charakterisierung des Handlungsablaufs.
Die Verbalperiphrasen im PPS werden im Deutschen durch unterschiedliche Verbaltempora (Präteritum als Bedeutungs- und Funktionsäquivalent  des Perfekts mit Vergangenheitsbezug, als "Resultatsperfekt" mit Gegenwartsbezug, als Präsens, selten Plusquamperfekt) in Verbindung mit Adverbialbestimmungen zur präzisen Charakterisierung des Handlungsablaufs, wiedergegeben.




9. Congresso Alemao De Lusitanistas | Universidad de Viena  | Dr.-Karl-Lueger-Ring 1  | 1010 Viena